Condenado


Sem que nada o fizesse prever, matou a mulher e as filhas. Uma por uma, bateu-lhes até que ficassem inconscientes, violou-as e cortou-lhes o pescoço com uma faca grosseira. Os seus corpos desarticulados, amontoados no chão sobre uma poça de sangue, assemelhavam-se a um monstro, ou talvez uma aranha. Quando o encontraram, o homem ainda salivava. 

Foi condenado à morte. 

No dia da execução, dois guardas acompanharam-no, pelo corredor. Estava com as mãos e os pés algemados e vestia um fato laranja. Enquanto caminhava, olhava para as lâmpadas fluorescentes que estiravam ao longo do teto do corredor. Uma delas lampejava, não se conseguindo manter acesa. Parecia muito interessado nessa lâmpada, torcendo o pescoço na sua direção, mas os guardas empurraram-no em frente, quase o fazendo tropeçar e cair. Não havia mais ninguém no corredor. O condenado parecia ausente. Pensava em todos os dias de espera que antecederam aquele momento. Não apenas naqueles que passara na cela escura, sozinho com os seus pensamentos, mas em todos os outros dias da sua vida, mesmo os que passara em liberdade. Não havia uma distinção clara entre ambos. Todos pareciam, afinal, iguais. Porque já antes de cometer o seu crime estava condenado. Já antes era culpado. Esperava apenas o seu momento, a oportunidade de exercer e expiar a sua culpa. Esperava apenas a crueldade dos outros. Como se essa pudesse apagar a sua. Como se pudesse sentir-se como um igual.

Pensava também na sua última refeição. Pedira arroz de feijão com peixe frito. Era o preferido de sua mãe. Por alguma razão lembrara-se de o pedir. Comera com gosto. Mas algo não estava bem, sentia que estava lenta e calmamente a enlouquecer, pois tomava decisões sem sentido. (Ele que havia assassinado a mulher e as filhas, pensava agora, pela primeira vez, que talvez estivesse a ficar louco). Porque haveria de escolher para a sua última refeição o prato favorito da sua falecida mãe? De alguma forma, isto relacionava-se com o seu interesse na lâmpada que piscava.

No fim do corredor viraram à esquerda, abriram uma porta, e entraram para uma pequena sala que servia de antecâmera da sala de execução. Esperava-o o oficial de execução. Nunca o havia visto, mas era como sempre o imaginara. Tinha a cabeça e a face perfeitamente rapadas. O seu nariz era ligeiramente grande, mas arredondado; os olhos azuis e as sobrancelhas, quase ruivas, sobre a pela branca, eram praticamente invisíveis. Era forte, talvez um pouco gordo, mas não balofo e tinha um olhar confiante. Vestia um fato-macaco de cor branca, um cinto de couro e botas negras com biqueira de aço.

Ordenou que o sentassem e começou a preparação. Rapou-lhe meticulosamente o cabelo e os pelos em torno de um dos tornozelos para que a eletricidade passasse sem dificuldade. Quando terminou o trabalho, deu a volta à cadeira e olhou o condenado de frente, nos olhos. Fazia-o sempre. Tudo na fisionomia do prisioneiro indicava que era um criminoso: era magro, de fraca constituição, e o seu ventre estava anormalmente distendido; o seu queixo era pequeno e recuado, as sobrancelhas fartas, o nariz grande e curvo, a barba cerrada e as orelhas grandes. O oficial de execução parecia satisfeito com o seu trabalho. Estava tudo em condições. Entrou uma última vez na sala de execução e verificou novamente a cadeira e todas as suas correias e, finalmente, o capacete de metal. Depois colocou a mão num recipiente de inox e verificou que as esponjas (que seriam colocadas sob o capacete metálico) estavam devidamente humedecidas.

Entretanto, o condenando começara a tremer de forma incontrolável. Observando o seu carrasco, que tudo fazia com grande confiança, concentração e perfeição, não pôde deixar de se emocionar. A morte estava próxima. Não demoraria muito agora. E isso era terrível. Nenhuma esperança lhe restava. Dentro de minutos estaria morto. Como seria? Chorou ao pensar no que lhe ia acontecer. E se não funcionasse bem. E se continuasse consciente enquanto milhares de volts de eletricidade passavam pelo seu corpo? Como poderia alguém saber se funcionava bem?

O oficial de execução voltou à sala e, desta vez sem o olhar, pegou no capuz que haveria de colocar sobre a sua cabeça. Esse gesto foi como uma revelação. Subitamente, a sua morte estava ali presente, à sua frente. Já não era capaz de pensar no que fizera à sua mulher e filhas. Era apenas ele e a sua horrível morte. E rompeu numa lamúria patética, chorando como uma criança. As lágrimas e o ranho escorriam-lhe pela cara até ao queixo.

O oficial de execução pegou num pano, que ali estava guardado para o efeito, e limpou-lhe a cara. Este gesto fê-lo sossegar por momentos.

Na sala de execução os poucos espetadores já tinham ocupado os seus lugares atrás de um espesso vidro espelhado.

O oficial de execução fez sinal aos outros dois guardas para que trouxessem o condenado. Esta sala era mais pequena do que a anterior, onde o tinham preparado. Não a tinha imaginado assim. Talvez não a tivesse imaginado sequer, porque de repente ficou também desiludido por não ter janelas, nem luz natural. Como gostaria de ter visto o sol uma vez mais. Mas a sala tinha apenas um relógio de parede, a cadeira elétrica e o vidro espelhado onde, por momentos, viu o seu reflexo. O oficial de execução entrou atrás deles, empurrando um pequeno carrinho de metal onde trazia todos os acessórios necessários à execução: o gel condutor, o recipiente com as esponjas e o capuz para a cabeça.

Os guardas retiraram as algemas ao condenado e o oficial amarrou-o à cadeira. Primeiro os pés e as mãos, depois o peito, os cotovelos e a cabeça. No fim, verificou se todas as correias estavam perfeitamente apertadas. O prisioneiro comportara-se como um débil mental, não havendo qualquer receio de que resistisse ou tentasse escapar.

O carrasco perguntou-lhe de desejava pronunciar as suas últimas palavras. 

– Onde está a minha mãe?

Como ninguém foi capaz de lhe responder, o procedimento continuou. O oficial de execução colocou-lhe o capacete com as esponjas húmidas na cabeça e logo de seguida o capuz. Saíram todos da sala. O relógio marcava três e cinquenta e sete. 

Durante três minutos aguardaram. O prisioneiro estava novamente agitado. Dizia qualquer coisa de impercetível por debaixo do capuz.

À hora certa o carrasco acionou o interruptor.

A corrente elétrica atravessou-lhe o corpo, provocando-lhe vigorosos espasmos, que se transformaram depois num contínuo estertor, acompanhado por um crepitar. No seu interior o sangue fervia e pequenas colunas de fumo saíam do seu capuz, enquanto o cheiro queimado se espalhava pela sala. Uma poça de merda, proveniente dos seus intestinos, surgiu por debaixo da cadeira.

Cerca de um minuto depois o oficial desligou finalmente a corrente e foi verificar os sinais vitais do condenado. A sentença fora executada com sucesso. 

Todos se congratularam.

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