A mancha - mosca - 8/8

Saiu de casa de Arminda. Visitava regularmente Sofia.
Na aldeia, já ninguém lhe vendia bebida, mas estava cada vez mais belicoso. Qualquer pretexto servia para uma briga. Todos o evitavam.
Luís voltou à aldeia. Apareceu durante a tarde, vindo do nada. Estava muito calor nesse dia. Henrique viu-o a falar com Arminda à porta de casa. Estava fardado como um militar.
– Desaparece daqui Luís! Não tens vergonha!?
– Quero ver o meu filho.
– O teu filho está na escola.
– Estás a escondê-lo. Mas isso não fica assim. É meu filho e vou levá-lo… Não o quero criado por uma puta!
– Nem por cima do meu cadáver. Ouviste!?
– Veremos.
– E puta é tua mãe! Cabrão de merda!
E fechou-lhe a porta na cara, com um grande estrondo.
Luís seguiu até ao largo. Sentou-se na explanada do café a beber uma cerveja. Raul e os outros estavam sentados no muro, à sombra das árvores, onde corria um vento fresco. Henrique conservou-se à distância, junto ao chafariz, observando-o.
Luís sentia por todo o lado uma hostilidade latente, polida, que não conseguia evitar. Porque raio decidira voltar? Nada o podia explicar. Se antes fugira para que não fosse consumido pela vergonha do seu segredo, pelo horror do opróbrio eminente, agora regressara porque não era afinal possível fugir. Como qualquer criminoso, o seu maior desejo era que fosse apanhado.
A cerveja gelada entorpecia-lhe o palato. Um cão vadio veio cheirá-lo. Deu-lhe um pedaço de pão com carne.
Percebeu que Henrique o observava. Lentamente, pôs o saco às costas, pagou a conta, e pôs-se a caminho. Desceu pelo atalho que ia dar à vila. Um caminho inclinado, suficientemente largo para passar um carro, mas irregular e poeirento. Os carros já não seguiam por ali; a nova estrada alcatroada seguia um percurso mais longo, mas menos acidentado.
Henrique seguia-o à distância, nunca se aproximando. Luís percebeu-o. Inquietou-se e estugou o passo. Gotas de suor escorriam-lhe pelo peito e manchavam-lhe a camisa. Henrique correu um pouco e alcançou-o. Colocou-se ao seu lado, sem lhe dizer nada.
– Henrique… – disse Luís em tom de cumprimento.
O outro não respondeu. Desciam os dois a ladeira, lado a lado, a passos largos.
À sua frente apareceu um besouro. Negro como a morte. Zumbiu e volteou junto às orelhas de Luís, descrevendo várias parábolas, e depois desapareceu entre o dois.
Henrique olhou para Luís. Depois, de repente, agarrou-lhe um braço e empurrou-o. Facilmente o desequilibrou, fazendo-o cair de costas. Sem perder um instante, pegou numa grande pedra e, segurando-a com ambas as mãos, esmagou-lhe repetidamente a cabeça. Matou-o.
Nunca pensou que fosse tão fácil matar um homem. Nem sequer oferecera resistência.
Ali próximo havia um poço abandonado. Arrastou-o até lá.
Empurrou-o lá para dentro. As moscas voaram das águas estagnadas e agitaram-se em seu redor.
Sentiu uma tontura. Olhou para as mãos. Estavam sujas de terra e sangue. Uma mosca pousou-lhe nos dedos, mordendo-os. Deixou-a chupar o sangue. Como lhe parecia bela. Aproximou-a da cara. Tinha os olhos vermelhos e seu corpo couraçado cintilava, com reflexos de verde e azul, indefinidos. As asas pareciam inúteis, incapazes de a fazer voar.
Por um momento pensou em levar a mão à boca e lamber o sangue, comer a mosca. Naquele momento comeria o próprio braço.
Riu como um louco.
– Nem assim, meu Deus? Nem assim!? Que queres mais de mim? Que queres que eu faça!? Nem mais uma lágrima me tomarás!
E depois chorou.
A mancha - FIM
Comentários
Enviar um comentário