A mancha - besouro - 5/8



Ninguém mais soube o que acontecera naquele dia. 

O sol aproximava-se já do horizonte. Henrique regava a horta. Naquela altura do ano, fazia-o quase todos os dias depois do trabalho. Daniel brincava por ali à sua volta. A mãe trabalhava até mais tarde nesse dia. Mesmo que assim não fosse, estaria com o pai. Era, para ambos, a melhor altura do dia.

Daniel corria por entre os canteiros brincando. O pai afadigava-se abrindo e fechando os regos da água, deslocando as mangueiras, abrindo e fechando a água. 

Henrique verificava o grande tanque de água quando ouviu alguém chamar. Era o Luís. Que queria ele? Largou o que estava a fazer e foi ao seu encontro, junto ao portão, para além das cortinas de feijão verde. Um besouro zuniu repetidamente à sua volta. Ao enxotá-lo bateu-lhe com as unhas na carapaça. Sentiu um baque e o besouro silenciou-se por momentos, mas logo retomou o seu percurso.

Daniel correu para se juntar ao pai.

Luís estava estranho. Trazia uma enxada na mão. Falou-lhe de algumas coisas sem nexo, acerca das árvores de fruto que pendiam para o seu terreno e sobre o muro. Parecia procurar a todo o custo motivos de conflito. Sem que ninguém percebesse exatamente porquê, o tom das suas vozes começou a elevar-se. Depois Luís exaltou-se. Gritava. Deu um pontapé no pequeno portão.

– Daniel, vai brincar para o outro lado.

– Não. Quero ficar aqui ao pé de ti.

– Já te disse para ires para outro lado. Preciso de falar com este senhor. Uma conversa de homens – piscou-lhe o olho.

Embora contrariado, o pequeno, que nessa altura teria pouco mais de quatro anos, lá foi. Estava preocupado, mas assim que virou a esquina, e a cortina de feijão verde os encobriu, as suas preocupações desvaneceram-se. Já não se ouviam as vozes dos adultos. 

Um besouro atravessou-se agora à sua frente. Daniel correu atrás dele, na direção do sol. O besouro seguiu depois para o depósito da água. Estava aberto.

Daniel ouviu novamente a voz do pai. Algo se passava junto ao portão. Mas a sua atenção foi novamente desviada para uma libelinha que pairava a escassos centímetros da água, por vezes tocando-a. Como era bela e estranha. Olhou-a atentamente. Chegou-se à frente e caiu dentro do depósito de água.


Quando Henrique acordou, era já de noite, e estava sozinho. Não se lembrava de grande coisa. Apenas da discussão idiota com o Luís e de lhe ter virado as costas. Doía-lhe a cabeça.

De repente, lembrou-se do filho:
– Daniel! Daniel!
Ninguém respondeu.


Pouco tempo depois da morte de Daniel, Luís desapareceu.
Henrique nunca contou a ninguém o que se passara. 

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