TEORIA KING KONG, VIRGINIE DESPENTES ( Tradução Luís Quintais )

 

Punk Rock. Movendo-se rapidamente, lúcida quanto baste, desbragada comme il fault, Despentes desmonta o sistema. Escaqueira-o à nossa frente. Violação, prostituição, pornografia dissecadas por um olhar andrógino, que, por mera inversão de papéis, consegue identificar o que é inaceitável.

Tudo são relações de poder. Essas relações têm uma história, uma fundação, mas não são imutáveis. Para tomar balanço, para criar instabilidade e diferenças de pressão nessas fronteiras, o discurso é fundamental como ignição. Por essa mesma razão, é tão importante, por parte de quem domina, o controle do discurso e a introdução de uma censura de bom tom, que determina o que é aceitável ser dito, como pode ser dito e por quem.

Para além desta dicotomia masculino-feminino, são desveladas outras relações de poder mais vastas, de ordem sistémica, capitalista. Que se ligam às anteriores de duas formas: expondo a fragilidade dos próprios homens dentro do sistema, no sentido em que lhe é conferida uma posição de domínio em troca da sua própria vassalagem; e indicado o elemento económico-financeiro, dentro do atual sistema, como fundamental, embora prosaico, para a emancipação, ou não, das mulheres, e que, por isso mesmo, é atacado por quem deseja manter o atual equilíbrio – as quinhentas libras por ano e um quarto só seu, de Virginia Woolf.

"Ouvimos hoje em dia homens a lamentarem-se de que a emancipação feminista os desviriliza. Sentem nostalgia de um estado anterior, em que a sua força se enraizava na opressão feminina. Mas esquecem-se que essa vantagem política que lhes era dada teve sempre um preço: os corpos das mulheres só pertencem aos homens como contrapartida de os corpos dos homens pertencerem à produção, em tempo de paz, e ao Estado, em tempo de guerra. O confisco do corpo das mulheres produz-se ao mesmo tempo que o confisco do corpo dos homens. Além de alguns dirigentes, aqui não há ganhadores"

"A família, a virilidade guerreira, o pudor e todos os valores tradicionais visam atribuir a cada sexo o seu papel. Aos homens, o de cadáveres gratuitos para o Estado, às mulheres, o de escravas dos homens. No final, todos escravizados, as nossas sexualidades confiscadas, vigiadas, normalizadas. Há sempre uma classe social interessada em que as coisas continuem como são e que não diz a verdade acerca das suas motivações profundas"

"Aquilo que as mulheres sofreram não é apenas a história dos homens, como os homens, mas ainda a sua opressão específica. De uma violência inaudita. Daí a seguinte proposta simples: vão todos levar no cu com a vossa condescendência para connosco, as vossas exibições grotescas de força garantida pelo colectivo e de protecção pontual, ou o vosso ar de vítimas para quem a emancipação feminina seria difícil de suportar. O que é difícil é ser mulher e ter de aturar todas as vossas idiotices. As vantagens que tiram da nossa opressão estão definitivamente armadilhadas. Quando defendem as vossas prerrogativas de macho, são como os criados dos grandes hotéis que se tomam por proprietários do local... lacaios arrogantes, mais nada."

Comentários

Mensagens populares