O AMANTE DE LADY CHATTERLY, D. H. LAWRENCE (Tradução: António R. Salvador)



As descrições do bosque de Wragby, que constitui aqui um refúgio do mundo moderno, são belíssimas, e criam, por si só, uma tensão erótica que se vai acumulando ao longo de toda a primeira parte do romance, e que culmina num mero toque na anca da mulher e uma ordem que esta se deite num colchão improvisado.

“Contudo, a primavera tinha voltado, as campainhas começavam a aparecer no bosque e os rebentos das aveleiras desabrochavam como salpicos de chuva verde. Terrível conjugação, a da primavera com um coração frio. Só as galinhas, que docemente espalhavam as suas penas sobre os ovos, eram quentes nos seus corpos solenes de fêmeas! Connie sentia-se, em todos os momentos, perto do desmaio.”

“O sol deu lugar ao frio. Os narcisos escondiam-se na erva escura. Escondiam-se assim durante o resto do dia e durante a noite, longa fria. Eram tão fortes na sua fragilidade!”

“E então, certo dia, um esplendido dia de sol em que tufos de primaveras coloriam o bosque e as violetas sulcavam os caminhos”

Estas imagens constituem-se em oposição com o ambiente circundante (a casa, a mina, a aldeia) onde impera a clausura, a submissão, as aparências e a neblina.

“Levantou-se, um pouco entorpecida, apanhou uns narcisos, começou a descer. Não gostava de apanhar flores, queria simplesmente uma ou duas. Tinha de voltar para Wragby e para aquelas paredes que presentemente odiava, especialmente aquelas paredes espessas. Paredes, sempre paredes! E, no entanto, eram necessárias por causa do vento.”

“O ar pesado cheirava a enxofre, mas estavam já ambos habituados. Ao longe via-se uma neblina, opaca pela geada e pelo fumo, lá em cima um pouco de céu azul. Parecia que tudo estava fechado, encarcerado. A vida era um sonho, ou um devaneio, mas sempre encarcerado.”

A forma como é encarado o sexo, nestes dois mundos antagónicos, é ao mesmo tempo central e sintomática de um quadro mais geral de esvaziamento do sentido. O sexo como ligação profunda, simultaneamente terna e violenta, é fundamental neste livro e na sua filosofia. Mas, mais do que pelo conteúdo erótico, este é subversivo nesse sentido mais geral, de recusa de um mundo industrializado, asfixiante, falso onde as pessoas já não sabem viver sem dinheiro.

As personagens estão muito bem construídas e movem-se pelo livro em constante fricção, como placas tectónicas, o que cria a tensão dramática. Este movimento é obviamente extensível aos referidos dois mundos, sendo que neste caso, é de salientar o papel da resistência individual – que embora impotente face ao resto do mundo, não se deixa de afirmar como resistência. Não vou conseguir mudar o mundo, mas também não deixarei que ele me mude a mim.

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