A ORGANIZAÇÃO - DOMÍNIO


K. ouvia distraidamente a conversa de dois funcionários à mesa da cantina da Organização.

– Caro senhor, é necessário que compreenda que uma sociedade capitalista é altamente ineficiente.

– Como pode dizer isso? Se é precisamente o contrário que a prática demonstra. As sociedades capitalistas promovem a competição. Em consequência dessa competição temos uma maior eficiência produtiva. Como poderá objetar a esta verdade. Está à vista de toda a gente. Os próprios livros de história o referem. A própria Organização, embora à primeira vista pudesse fugir a essa lógica – pois é, em si, um monólito –, segue um modelo concorrência capitalista promovendo a competitividade entre departamentos internos, atribuindo-lhes o mesmo tipo de competências e objetivos. Por vezes, até as mesmas tarefas.

– O que entende, então, por melhor eficiência produtiva?

– A produção de mais bens e serviços, a um menor custo e com melhor qualidade.

– Gostaria então de lhe propor uma nova definição de eficiência produtiva. A produção dos bens e serviços necessários com o menor esforço coletivo.

– Como assim?

– De que serve produzirmos o que não precisamos? De que serve termos vários indivíduos a trabalhar concorrentemente sobre um mesmo problema sem qualquer cooperação? Isso, meu senhor, parece-me um desperdício de energia humana.

– Comunista.

– Chame-me o que quiser. Mas não poderá deixar de concordar comigo. Por uma fração do esforço poderíamos ter tudo o que precisávamos, trabalhando, contudo, muito menos. Neste tempo de produções imateriais, para que duas empresas concorrentes sejam tão produtivas quanto uma única empresa, é necessário que dessa concorrência derive o dobro da eficiência de produção. Se tivermos três empresas, então será necessário o triplo da eficiência. Veja que é extremamente difícil de sustentar este modelo. Daí a própria tendência para a concentração e monopólio num sistema capitalista.

De repente, um terceiro funcionário, bastante gordo, que estava sentado de costas para os dois primeiro, vira-se na direção dos dois primeiros, metendo-se na conversa:

– Meus senhores, perdoem-me. Não pude deixar de ouvir a vossa discussão com todo o interesse. As vossas opiniões, embora plenamente fundamentadas e lógicas, são um equívoco. 

– Equívoco? – disse o partidário do sistema capitalista.

– Sim. Permitam que vos elucide. A Organização não tem qualquer vantagem na otimização dos processos ou na sua eficiência produtiva. Isso, meus senhores, seria a própria negação da Organização. Não pretendo aqui arvorar que conheço qual o desígnio último da Organização. Esse é apenas do conhecimento de alguns eleitos – ou talvez de ninguém. Mas qualquer organização – e ainda mais a nossa Organização – procura, como um organismo vivo, a sua perpetuação. Procura também alargar o seu domínio. A Organização fê-lo com um notável sucesso, ao ponto de aniquilar qualquer vida para além dela. Tudo faz parte do domínio da Organização, inclusive o inútil, o fútil, a repetição, a redundância. Uma estratégia a domínio total tem que promover o inútil, a repetição, e não a eficiência. Um funcionário desocupado seria infinitamente pior do que funcionário redundante ou com ordens disparatadas – porque nesse caso não estaria ao serviço da Organização. É uma estratégia de poder. Os cidadãos são uma minoria, embora também parte integrante da Organização. Embora a Organização em grande parte os ignore, tolera-os como a justificação última para a sua existência. Eliminar todos os cidadãos poderia desencadear a derrocada de todo o sistema. Como um parasita que se tornou maior que o hospedeiro, a sua posição é incómoda.

– Concorda então comigo – disse o pretenso comunista. – Há um sistema melhor, mais racional. Mais eficiente, no sentido em que o defini. 

– É absolutamente irrelevante – respondeu o terceiro homem – A Organização, como disse, inclui tudo e o seu inverso. É partidária de todas as teorias e, portanto, de nenhuma delas. Realiza a sua função fazendo também o seu inverso. É isto que a torna invencível. Ninguém sabe qual o seu propósito.

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