TERRINHAS, CATARINHA GOMES

 


Algures na Biblioteca infinita de Borges (a de Babel) estaria também este livro, tão improvável quanto real. Um livro de afetos urdidos em torno de comezinhas e reverenciadas batatas, um plantio de memórias de um mundo em vias de extinção. A probabilidade de me ter chegado as mãos é resultado não tanto do acaso, mas da inteligência com que se teima escavar e indexar essa biblioteca infinita.

Catarina Gomes fez neste livro uma arqueologia magistral da linguagem de um país à beira do esquecimento, desenhando um mapa de afetos polvilhado por um fino e contagiante sentido de humor. As expressões que a narradora desenterra da sua memória (tal qual batatas) e com as quais brinca, polindo-as entre os dedos, são tão corriqueiras como reveladoras de algo mais profundo. É uma caracterização fractal, em que no menor dos detalhes reflete a totalidade. E é nesse jogo de menor e maior, entrelaçado por um irónico bem-querer, que se cose uma belíssima metáfora literária. As batatas, “das nossas”, são um veículo de amor, um símbolo da renovação (da batata se faz batata), da invisibilidade (crescem debaixo de terra, tão invisíveis como tantas outras coisas; conservam-se no escuro). É através delas (das batatas), seguindo os filamentos que brotam dos seus tubérculos, antecipando o renascimento, que se percorre o carreiro da memória e da descoberta da nossa história individual e coletiva, porque se não sabemos de onde viemos, dificilmente sabemos quem somos.

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