CHOVE
Chove. As gotas de água tilintam de encontro às janelas,
produzindo um resmalhar hipnótico. Cheira a terra molhada nos baldios. O ar
está quente e húmido. Abro a janela e queimo um cigarro por entre os dedos. Lá fora, toda a gente mata, come, fode,
discute. Faz-me alguma confusão… A quantidade de violência que empregamos regularmente
para sobreviver é desmesurada. Admira-me, contudo, a indignação alheia a este
respeito. Desde que saímos de África (os primeiros hominídeos, bem entendido) que não fazemos outra coisa que matar e
destruir. Chacinamos tudo o que é diferente. É essa a medida do nosso sucesso;
é essa a nossa marca. A quantidade de comida que temos coletivamente de
deglutir é, se pensarmos nisso, difícil de apreender. Somos apenas demasiados.
Talvez seja isso. Parou de chover. Um instante depois, lá em baixo, o amolador
de tesouras soprava a sua gaita, enchendo a rua com uma melodia redonda. A
chuva não foi suficiente. A rua e os carros parecem-me agora ainda mais sujos e
empoeirados. Volto para dentro e fodo violentamente a minha miúda. Ela gosta. Chamo-a
de miúda porque é mais nova do que eu. Não sei o que viu em mim. Na cama com
uma mulher tudo o resto parece suportável (onde é que eu já li isto?). Fosse eu de conspirações e diria que a
liberdade sexual é uma invenção capitalista. De que outro modo seria possível
manter a ordem. Toda a oligarquia seria morta e despojada. Caminho novamente
até à janela, ainda despido, com o pénis lambuzado de esperma e fluídos
vaginais. É difícil de compreender porque razão as pessoas escolhem amontoar-se
desta maneira em blocos de apartamentos, com varandas e marquises, e roupa
estendida em arames. São verdadeiros amontoados, em tudo semelhantes a uma
colmeia ou formigueiro. Mas piores, porque sem qualquer ordem, sem qualquer
respeito genuíno. Que se lixe o resto do mundo. Acendo mais um cigarro. A miúda aparece
atrás de mim. Cola o seu corpo despido às minhas costas, enrola os braços à
volta da minha cintura, e beija-me o ombro. Tenho hipersensibilidade nas minhas
costas. O sexo é uma obsessão sem sentido. É bom, mas não é assim tão bom que
justifique não pensarmos noutra coisa. Aproximo maldosamente a ponta do cigarro
da sua mão limpa, de unhas curtas, pintadas de vermelho, e queimo-a ao de leve.
Chama-me filho da puta, mas logo de seguida beija-me apaixonadamente. Não
suporto pessoas de unhas compridas. Parece-me nojento e perigoso. Essa é uma
das razões pela qual gosto da miúda. Isso e a sua franja curta. Mas isso são
coisas de somenos. Não haverá talvez ninguém no mundo que afogasse uma maldade
minha com um beijo. Ninguém mais a quem debitar a minha verborreia
ininteligível. E ninguém com os lábios exatamente iguais aos seus. Mas isso é difícil
de explicar. Como as manhãs chuvosas de domingo nos subúrbios. Também estas são
difíceis de explicar. Penso em ir ao supermercado, mas logo de seguida encontro-me
com a cabeça por entre as pernas da miúda. Faço-a chorar de prazer. Adoro a
cheiro da sua vagina. Não há nada que comer no frigorifico. Abrimos duas
cervejas e uma caixa de bolachas. A cama enche-se de migalhas. Dormimos toda a
tarde. Voltou a chover.
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