A GORDA


Amélia era gorda. Esse era o primeiro pensamento de qualquer pessoa que olhasse para ela. Ninguém reparava nos seus olhos, nos seus cabelos, nos seus dentes ou no seu sorriso; ninguém ouvia o que tinha a dizer; mas todos reparavam que era gorda.

Apesar dos seus dezassete anos, era ainda muito infantil. A puberdade não tardara, mas o amor sim. Amélia não acreditava que alguém pudesse gostar dela. Por isso, comia, gelado após gelado, até sentir os olhos revirar. Depois, abraçava-se aos peluches. 

O seu irmão mais novo, Aníbal, gozava constantemente com ela. Ainda hoje, lhe passou um bilhete falso de um colega, convidando-a para um encontro atrás do pavilhão. Amélia não acreditou, mas ainda assim resolveu ir lá espreitar. Assim que apareceu à esquina despertou a gargalhada de todos os rapazes e raparigas que, prevenidos pelo irmão, aguardavam distraidamente, entre beijos e cigarros. Virou imediatamente costas tentando disfarçar, mas todos a seguiram rindo. Amélia sentiu-se muito mal. Embrutecida, correu para a casa de banho a chorar e pelo caminho atropelou um ou dois miúdos mais novos.

A crueldade não tem limites e quando se aproximou a festa de finalistas, convenceram Carlos (um gordinho também) a convidá-la para a festa. Amélia não acreditou e foi preciso alguma insistência do Carlos para que ela o tomasse a sério.

Pediu autorização ao pai (rígido coronel do exército) e à mãe (muito magra e bonita ainda na sua idade, manicure no salão da Olinda). Estes, embora admoestando-a para que se comportasse de forma séria e chegasse a casa cedo, concederam-lha autorização de bom grado, pois os seus olhos brilhavam de felicidade, e assim também os deles. 

À medida que a data se aproximava, a antecipação foi crescendo. Amélia começou uma dieta e comprou um vestido novo. Falava todos os dias com o Carlos, ficando cada vez mais apaixonada. O próprio Carlos, embora estivesse incumbido de uma missão, começava a enamorar-se de Amélia. Os outros rapazes gozavam com ele: “Ah! Ah! Estás apaixonado pela gorda!”. Carlos negava e para ganhar a simpatia deles, reafirmava estupidamente: “Vão ver. No baile de finalista, vão ver. Vai ser como combinámos. Vai ser de estouro, rapazes!”

Chegou finalmente o dia. Amélia estava muito bonita e perfumada. Carlos foi buscá-la à porta de casa, que ficava a curta distância da escola. No baile dançaram toda a noite. No fim da noite, Carlos beijou-a e o seu coração quase derreteu. Os outros rapazes olhavam à distância e riam. Fizeram-lhe sinal. Olhando para eles embaraçado, Carlos pegou na mão de Amélia e arrastou-a para a sala de arrumos (o baile acontecia no ginásio da escola). No escuro, Amélia ouvia apenas o seu coração ribombar. A sala cheirava mal. Ao sentir a mão de Carlos na cintura estremeceu. Desapertava-lhe agora o vestido. Amélia beijava-lhe o pescoço apaixonadamente. Pediu-lhe para parar, mas ele insistiu. 

“Amélia, por favor, gostas de mim ou não?”

“Sim, mas para com isso.”

“Quero te ver Amélia, és tão bonita. Deixa-me olhar para ti. Tira o soutien.”

“Não. És doido!”

“Tira Amélia, só para mim! Oh, sim. E agora as cuecas, meu amor. Deixa-me tirar-te as cuecas.”

Assim que terminou, Carlos pegou em toda a roupa e saiu apressadamente da sala.

“Carlos!? O que foi? Onde vais?”

Um momento depois, a luz acendeu-se, e todos os rapazes, já bêbados, apareceram à porta em grande galhofa.

“Ah, Ah, Carlos acho que vais precisar de farinha para encontrar a abertura!”

Amélia estava em estado de choque e por alguns segundos ficou completamente imóvel sem perceber o que se estava a passar. Todo o seu corpo, coberto por pregas de gordura, tremia. A pele estalada e as borbulhas vermelhas e horríveis que despontavam nas coxas e no rabo brilhavam sob a luz aterradora. Os seus peitos pendiam sem vida sobre a barriga, confundindo-se com esta. Tentou esconder-se a trás de qualquer coisa, mas não havia onde se esconder. As caras, as bocas e os olhos dos rapazes eram terríveis. Era o cúmulo da vergonha. Conseguiu, por fim, esconder-se atrás de um colchão de ginástica.

Foi nessa altura que apareceu o Prof. Sacadura.

“O que é que se passa aqui?”

“Nada, stôre.”

“Fechem essa porta e apaguem a luz! Não quero aqui ninguém!”

O professor espreitou para dentro da sala de arrumos, mas não viu ninguém.

“Tu, anda cá. Cheiras-me a álcool! Não é permitido álcool aqui dentro.”, e saiu atrás dos rapazes.

Amélia ficou sozinha, nua, a chorar e a tremer. Ficou ali escondida durante algum tempo. Depois escapuliu-se pela porta das traseiras e correu até casa.

Em casa, a mãe e o pai estava a ver televisão na sala. O pai bebia um whiskey e fumava um charuto. Ouviram bater à porta. A mãe levantou-se e foi abrir. Não viu ninguém. Espreitou novamente. 

“Mãe”, ouviu numa uma voz chorosa. Laurinda ficou parada, à escuta. Ouviu novamente chamar, com a mesma voz trémula, quase impercetível.

“Amélia?”, disse baixinho.

Então, com a mãos a cobrir as partes, Amélia chegou-se à frente. A mãe olhou para ela incrédula. Sentiu nojo.

“Mãe”, repetiu.

E a mãe deu-lhe imediatamente uma estalada na cara, deixando-lhe a face esquerda vermelha.

“O que se passa, querida?”, perguntou o pai lá de dentro.

“Não é nada António.”, respondeu para dentro de casa.

Olhou severamente para a filha e disse entredentes:

“Que o teu pai não te veja!”

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