História de um amor que não foi


– Mas o teu cabelo é liso ou ondulado? 
– Ambos. 
– Vocês mulheres gostam mesmo de nos confundir, não é? 
– Sim. 
– Gosto tanto de mulheres. Quanto tempo demoras a te arranjar para sair de casa de manhã?
– É rápido.
– Imagino que sim. Gosto mais do teu cabelo ondulado.
– Agora está liso. Não gostas?
– Claro que sim.
– Bem me parecia. O que queres de mim?
– Não o devo dizer.
– Porquê? Porque não o dizes?
– Porque é isso que fazem os adultos. 
– Estamos então a ter um momento adulto?
– Claro.
– Durante quanto tempo?
– Não sei…
– Avisa-me então quando acabares.

Imagino estes diálogos sem fim. Sonho-os acordado. Perco-me nas suas infinitas variações. Hesito eternamente. Como seria bom poder desconstruí-los na realidade dos teus silêncios. Porque me dirias outras coisas que não estas. E eu não saberia o que te responder e tu o que me dizer. Porque nada seria como nos livros ou nos filmes; mas seriamos infinitamente melhores na nossa inépcia. 

Buscaríamos o calor da pele e a humidade dos lábios; os beijos perfeitos, gelando-nos o cérebro, arrastando o tempo num momento infinito. E depois disso continuaria a imaginar o que diríamos, porque não o posso deixar de fazer; porque só aí, sozinho, saberia o que dizer. 

– O que vamos fazer?
– Cala-te. Nem sei bem o que fizemos agora… quanto mais o que vamos fazer. 
– Estás a ser insensível.
– Deus.
– Não invoques o nome do senhor em vão. Aliás, ainda há pouco o fizeste repetidamente.
– Ah! Tens piada. Fica-te mal a gabarolice. Gosto mais de ti quando és tímido e não dizes o que queres.
– Porquê?
– É mais divertido ter que adivinhar. Vou tomar banho.
– Posso juntar-me? 
– Já passou aquela fase de pensar uma coisa e dizer outra?
– Pelos vistos sim.
– Então podes.
– Mas precisamos de falar.
– Cala-te. Por amor de deus.
– O que me chateia é que estou a ficar realmente apaixonado por ti. Gosto mesmo de ti. Fazes-me sentir bem.
– Fico contente. Tendo em conta o que acabámos de fazer, não esperava que fosse de outra forma.

Se nos apaixonássemos, se nos amassemos, não poderia ser para sempre. E este niilismo estúpido, incompetente, é um veneno que mata. Advinha-se no cinismo com que falamos. A propriedade do outro, do prazer do outro, é como uma serpente que se insinua. Seremos expulsos do paraíso. 

– Deixa-me estar. Larga-me.
– Estás amarga.
– Do vinho doce também se faz vinagre.
– O vinagre é azedo, não é amargo.
– Claro. Acima de tudo a precisão dos termos.
– Não há nada que te possa dizer, pois não?
– Não, de fato não. És uma vítima.
– Vou sair. Não consigo… não consigo sequer olhar-te nos olhos.

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