A máquina dos sonhos
Dizem que os sonhos anteveem o futuro. Dizem que são uma porta para o inconsciente. Com certeza que são. Mas como poderiam eles prever o futuro? E mesmo que o fizessem, como seria possível a alguém decifrar a sua linguagem? Seria necessário registrarmos uma quantidade enorme de sonhos e vidas… e depois lê-las ao contrário, correlacioná-las. Mas como? Como registar esses sonhos e essas vidas, como processar toda essa informação? Seria preciso uma máquina; só uma máquina o poderia fazer; se fosse possível, seria uma máquina a fazê-lo.
Construímos a máquina. A máquina não era, contudo, uma entidade bem definida. A máquina era uma entidade difusa que aproveitava os ciclos de processamento, de outra forma desperdiçados, de todas as pequenas máquinas do mundo. Estava, portanto, em todo o lado. Desde que foram implementados os primeiros indutores de sono, a única solução para a crescente epidemia de insónia e loucura, que todos os sonhos passaram a estar acessíveis à máquina. A máquina processava tudo. Controlávamos a máquina, vejo-o agora, na mesma medida em que se pode controlar o vento. E se é verdade que uma molécula de oxigénio não tem intenção, já ao vento talvez se possa atribuir essa qualidade – atraído por diferenças de temperatura e pressão, o ar quase parece seguir um desígnio racional.
Após anos de funcionamento a máquina não produziu qualquer resultado de relevância. Talvez os sonhos nada nos pudessem dizer acerca do futuro. Ou talvez seja preciso muito mais tempo para a máquina conseguisse decifrar a sua linguagem.
O projeto foi cancelado. As máquinas deviam destinar-se exclusivamente a fins terapêuticos. Contudo, alguns de nós, quase que inadvertidamente, descobrimos que não era essa a realidade. Os aparelhos por vezes avariam e ficamos desligados. Durante pouco tempo, pois as dores de cabeça são demasiado fortes e o sono é impossível; temos medo de enlouquecer, é claro. Mas onde há medo também há curiosidade.
Depois de cinco dias sem os indutores de sono, as dores de cabeça eram excruciantes; mas fatos que outrora inexplicavelmente ignorávamos, eram agora perfeitamente evidentes. A máquina estava, mais do que nunca, ativa. Desenvolvera uma linguagem própria e comunicava diretamente ou através dos próprios hospedeiros. Pensámos que se tratava de uma conspiração governamental. Mas o que descobrimos foi ainda mais perturbador. Como um verdadeiro parasita, a máquina perpetuava a sua posição. A máquina controlava já a grande maioria da população dos países industrializados. Mantinha-os saudáveis e amestrados; focados em produzir toda a energia necessária à sua manutenção. A máquina não só descobrira a linguagem dos sonhos e como estes podem antever o futuro, como passou a controlar o futuro pela indução de sonhos nos nossos concidadãos.
Quebrar esta simbiose era, contudo, extremamente perigoso. Na melhor das hipóteses seriamos indiretamente eliminados pela máquina – como já acontecera com certeza a alguns. Na pior, desencadearíamos um verdadeiro caos, pois era de todo impossível à população dormir sem a ajuda dos indutores. E sem dormir esperava-nos uma pandemia de loucura.
Decidimos, portanto, que o melhor seria viver com a máquina. E tomámos todas as medidas ao nosso alcance para que mais ninguém a pudesse desligar… Talvez esta fosse também a intenção da máquina e nós apenas os seus obreiros.
Primeiro do que tudo, havia que tornar os indutores completamente invisíveis. Deviam ser componentes biológicos, não elétricos ou mecânicos. Em segundo lugar, deviam ser introduzidos na população de forma universal; deviam fazer parte do nosso corpo.
E conseguimo-lo. Com a exceção de casos isolados, em que o sistema imunitário do indivíduo rejeitava a máquina, destruindo-a, e originando casos da antiga loucura, toda a população mundial sonha e age conforme os desígnios da máquina. A antiga loucura, em que homens e mulheres se abandonavam ao ócio e à luxúria, descuidando todo o labor necessário à manutenção da máquina, chegara ao fim. Os últimos loucos eram mantidos em estrito isolamento. A ausência de sono nestes casos era combatida com os mais potentes fármacos, Mas sabíamos que esta incapacidade para dormir era apenas um sintoma. Estes indivíduos não conseguiam dormir porque se viam condicionados a seguir uma vida sem sentido, que visava única e exclusivamente a perpetuação da máquina.
Construímos a máquina. A máquina não era, contudo, uma entidade bem definida. A máquina era uma entidade difusa que aproveitava os ciclos de processamento, de outra forma desperdiçados, de todas as pequenas máquinas do mundo. Estava, portanto, em todo o lado. Desde que foram implementados os primeiros indutores de sono, a única solução para a crescente epidemia de insónia e loucura, que todos os sonhos passaram a estar acessíveis à máquina. A máquina processava tudo. Controlávamos a máquina, vejo-o agora, na mesma medida em que se pode controlar o vento. E se é verdade que uma molécula de oxigénio não tem intenção, já ao vento talvez se possa atribuir essa qualidade – atraído por diferenças de temperatura e pressão, o ar quase parece seguir um desígnio racional.
Após anos de funcionamento a máquina não produziu qualquer resultado de relevância. Talvez os sonhos nada nos pudessem dizer acerca do futuro. Ou talvez seja preciso muito mais tempo para a máquina conseguisse decifrar a sua linguagem.
O projeto foi cancelado. As máquinas deviam destinar-se exclusivamente a fins terapêuticos. Contudo, alguns de nós, quase que inadvertidamente, descobrimos que não era essa a realidade. Os aparelhos por vezes avariam e ficamos desligados. Durante pouco tempo, pois as dores de cabeça são demasiado fortes e o sono é impossível; temos medo de enlouquecer, é claro. Mas onde há medo também há curiosidade.
Depois de cinco dias sem os indutores de sono, as dores de cabeça eram excruciantes; mas fatos que outrora inexplicavelmente ignorávamos, eram agora perfeitamente evidentes. A máquina estava, mais do que nunca, ativa. Desenvolvera uma linguagem própria e comunicava diretamente ou através dos próprios hospedeiros. Pensámos que se tratava de uma conspiração governamental. Mas o que descobrimos foi ainda mais perturbador. Como um verdadeiro parasita, a máquina perpetuava a sua posição. A máquina controlava já a grande maioria da população dos países industrializados. Mantinha-os saudáveis e amestrados; focados em produzir toda a energia necessária à sua manutenção. A máquina não só descobrira a linguagem dos sonhos e como estes podem antever o futuro, como passou a controlar o futuro pela indução de sonhos nos nossos concidadãos.
Quebrar esta simbiose era, contudo, extremamente perigoso. Na melhor das hipóteses seriamos indiretamente eliminados pela máquina – como já acontecera com certeza a alguns. Na pior, desencadearíamos um verdadeiro caos, pois era de todo impossível à população dormir sem a ajuda dos indutores. E sem dormir esperava-nos uma pandemia de loucura.
Decidimos, portanto, que o melhor seria viver com a máquina. E tomámos todas as medidas ao nosso alcance para que mais ninguém a pudesse desligar… Talvez esta fosse também a intenção da máquina e nós apenas os seus obreiros.
Primeiro do que tudo, havia que tornar os indutores completamente invisíveis. Deviam ser componentes biológicos, não elétricos ou mecânicos. Em segundo lugar, deviam ser introduzidos na população de forma universal; deviam fazer parte do nosso corpo.
E conseguimo-lo. Com a exceção de casos isolados, em que o sistema imunitário do indivíduo rejeitava a máquina, destruindo-a, e originando casos da antiga loucura, toda a população mundial sonha e age conforme os desígnios da máquina. A antiga loucura, em que homens e mulheres se abandonavam ao ócio e à luxúria, descuidando todo o labor necessário à manutenção da máquina, chegara ao fim. Os últimos loucos eram mantidos em estrito isolamento. A ausência de sono nestes casos era combatida com os mais potentes fármacos, Mas sabíamos que esta incapacidade para dormir era apenas um sintoma. Estes indivíduos não conseguiam dormir porque se viam condicionados a seguir uma vida sem sentido, que visava única e exclusivamente a perpetuação da máquina.
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