O HOMEM RELÓGIO
Havia um homem que não podia usar relógio
Quer dizer, podia – não é bem isso
A questão é que assim que os colocava no pulso
Os seus ponteiros se imobilizavam
Desconfio que um qualquer mecanismo interior
Provocava um movimento adverso à contagem do tempo
Esgotava-se a corda. Uma curiosidade:
O coração desse homem não fazia: bum bum
Mas sim: tic-tiac, tic-tac
Dizem que era o seu coração que marcava o tempo
O homem contudo insistia:
Gostava de ter um relógio
Talvez por vaidade
Talvez por obscura necessidade
Pois que o seu coração teimava
Em marcar a hora da sua morte
E portanto desafiava todos os relojoeiros
Que sucessivamente se frustravam
Admirados com semelhante fenómeno
Ainda que os relógios não funcionassem
O homem nunca se atrasava
E respondia com admirável precisão
Sempre que algum transeunte lhe perguntava as horas
Um dia, encontraram-no morto
Insistiu demais, é bom de ver
Todos se admiraram:
O relógio que trazia funciona agora perfeitamente
E dava horas certas
A esposa de um famoso relojoeiro
Que o encontrou à saída da oficina do marido
Relatou que o homem previra com exatidão
Não as horas, como era habitual
Mas a hora da sua morte:
“Cinco minutos para morrer” informou-a estupefacto
O culpado foi o marido ciumento
Atazanado pelos constantes remoques da mulher
Forneceu ao nosso homem um relógio invertido
Em que os ponteiros recuavam em vez de avançar
O coração, enganado por este mecanismo aparentemente inverso
– pois mesmo para trás o tempo avança –
Deslassou-se e perdeu a corda
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