ECOSSISTEMA



Rego sempre as plantas antes de me deitar 
Uma chávena de água, cinco mililitros de cicuta 
Dois pingos de limão e deito-me insolitamente

Pela manhã limpo os retratos 
Todas as noites uma neblina pousa 
Inefável sobre todas as coisas 
Acrescentando-lhes um grão húmido 
Talvez seja o hálito das plantas
Ou uma sudação animal

Julgo que se trata de um gigantesco animal
Que lenta e amorosamente nos decompõe 
E tudo isto - tudo o que conhecemos 
Cabe no seu estômago pavoroso

À tarde demoro-me em chás 
Aqueço pacientemente a água no fogão
Até ouvir o crepitar do púcaro 
Recolho as folhas secas nos meus vasos
E demolho-as na água quente como lava
Tingindo-a com tons amarelos e castanhos

Bebo apenas dois goles
Fazendo questão de me queimar 
E sento-me na cadeira de braços 
Durante toda a tarde enrodilhando a língua áspera
Envenenando o tempo até ser noite

Verto duas lágrimas de cicuta para a chávena 
Rego as plantas e vou-me deitar 



Comentários

Mensagens populares