TIA ANTÓNIA
Tia Antónia passeia-se em frente do alpendre. Um pequeno pássaro pousa na buganvília. E o ramo baloiça levemente. Até as criaturas aladas têm peso – as asas não constituem nenhuma isenção a este respeito. Pesam também os lábios de D. Antónia, tanto como a pequena ave sobre o ramo circunflexo.
A velha senhora decide colher algumas flores. Respondendo ao seu movimento a ave bate as asas e voa num arrepio. A tesoura de jardim enferrujara no varandim durante todo o inverno. Antónia segura-a entre o dedos com estranheza, desce os três degraus que a separam do jardim e corta meia dúzia de rosas. Apesar de todos os invernos demorados sobre as suas pálpebras, Tia Antónia conservava ainda uma destreza própria das pessoas do campo; característica também de quem passa muito tempo sozinha e tem a certeza de cada gesto.
Na sua casa havia quase sempre flores. Estas eram ao mesmo tempo toda a certeza dos seus gestos e todo o peso dos seus lábios. Estas eram toda a ausência.
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