BELADONA
'Jardim das delícias', Hieronymus Bosch |
Às vezes é impossível ler um livro
O grão da noite torna-se tão viscoso como o açúcar
Dás por ti a soletrar vocábulos: terrível
Bates com a palma da mão na boca
Engasgas-te com a solidez do ar
E as costelas estalam com estranhas intenções
Como quem torce um trapo encharcado
Podes sempre queimar mais um cigarro
E incendiar mais um lugar comum
Puxar mais uma vez a cortina
Depurar a nicotina
Cantar silêncios
Calcar os deuses com danças indígenas
Desenhando elipses na sala de estar
Pondo a boca à torneira da cozinha
Num beijo assolapado
Que te deixe sem fôlego
É ainda necessário eletrificar
Colocar em suspensão todas as partículas de pó da cidade
Para que o ar fique mais grosso:
Uma espécie de maná dourado
Como a mesma validade das palavras cuspidas
Em romagem pelo Sinai
Escrevinhar códices
Com os despojos do dia
E provar a última folha de beladona
Numa amarga tisana
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