ISTO NÃO É UMA NAVALHA

Uma vez,
cortei-me no fio falho de
uma navalha.
A sua inanimada má
vontade,
deixou-me desperto e 
ressentido:
Mordeu-me como um cão 
– a desgraçada! 

Mas isto não é uma navalha.

A navalha não morde 
como os amantes. 
A navalha 
não geme. 
A navalha 
não é doce, não cheira bem. 
A navalha não embriaga. 
Não nos queda estúpidos 
e tontos, ridículos nos pequenos nomes.
Volvendo-nos em ânsias de posse.
Em ânsias de dor e prazer. 
De dar e receber.

No final,
tudo o que nos resta
é o fio da navalha.
A sua linha falha 
e uma direção apenas.
Mais vale percorrê-la
em saltos mortais,
encarpados,
com saídas à retaguarda,
piruetas
e flic-flacs.
Mordendo e lambendo.
Troçando do perigo.
Embriagados.
Estúpidos.
Dizendo: isto não é uma navalha.

Só 
é 
possível 
percorrer o fio da navalha
despido
em flor
com amor;
e o resto pouco importa.


Rene Magritte, Lovers I

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