Inteiro
O amor era afinal fácil. Estava sempre mais perto do que eu poderia imaginar. Tudo o que não podemos fazer é: esperar.
Conheci-a no fim do verão (não importa aqui o seu nome). Estava finalmente frio e por uma qualquer razão a sua pele queimava, como se estivesse sempre com febre. Talvez estivesse realmente doente. Ou talvez fosse eu quem padecesse de algum mal. Nunca o poderei afiançar. Mas não importa. Eu estava permanentemente confuso. E tudo era perfeitamente inexplicável.
Não era atraente, mas talvez fosse inteligente. Sempre que começava a falar, dava-me um nó na garganta. Apetecia-me agarrá-la pelo pescoço e beijá-la de imediato, para que terminasse com aquilo. E foi exatamente isso que fiz. Era-me irresistível.
Ainda assim, nessa altura, eu era uma pessoa inteira. Não estava por completar. E, por isso, não havia em mim qualquer vestígio de ressentimento. Dormia sempre em minha casa, na minha cama, sozinho. Acordava satisfeito, estava intacto, e a minha vontade resplandecia sobre a manhã.
Sem que o percebesse, um dia descobri que já não conseguia viver sem ela. A sua ausência era-me penosa. Telefonei-lhe. Disse-me que também estava a pensar em mim. Isso deixou-me estarrecido.
Era outono, fim da tarde. Sentia-me agora infeliz ao seu lado. Sentia-me sozinho; insistia na sua companhia e corroía a minha vontade. Deixamos afinal de ser inteiros quando se nos quebra a vontade. As folhas do plátano forravam o chão do jardim de laranja; no beiral formava-se uma gota de água gelada; e um gato branco passava hesitante por entre os arbustos.
Foi nesse dia que se iniciou a minha espera. Como um jogador cauteloso, esperei por um novo amor. Consumi-me em pinturas de outono, espreitando os gatos, burilando o calor da geada. Esperei afinal toda a vida. Enternecido comigo mesmo.
Hoje estou finalmente sozinho. Talvez ainda haja esperança.
É necessário reconhecer que estamos inevitavelmente sozinhos.
Só depois o amor.
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