Amo-te


AMO–TE. Poderia dizer amor, mas digo: amo-te. É uma palavra pequena, mas tão profunda. Muito menos abstrata do que: amor. É presente e dirigida. É como um: poço. Tão escura e húmida lá no fundo. Meu deus. As minhas mãos estão doridas, o seu labor é de sangue; a sua corda (áspera) seca-nos a garganta. Água fresca. Água estagnada. Até os baldes vazios são pesados (são os mais pesados). O seu cheiro húmido, o eco das suas paredes de pedra, provoca uma vertigem. O meu avô fazia poços. Só o conheci coxo, de bengala. Hum. Um poço não é nada: um buraco no chão. Sem os nossos braços, sem pele das nossas mãos, não é nada. Nada. Nada! Somos nós que lhe damos significado. Demasiado significado? Significado. Eu e tu. Significado. Como uma nota a vibrar. A todo o momento interrompível, hesitante até (quase desafinada). O meu avô… fazia… amor… Uma pessoa tão séria e afinal: amor. Os homens cavam poços – depois fazem-se sérios. Só querem água. Água fresca. Já bebeste água fresca numa fonte? Não é como a outra água. É fresca. Não é fria. É fresca. Tem sabor. Não é uma coisa insípida. E a chuva? A chuva. Já abriram a boca para o céu? É tão insatisfatório. As gotas evaporam-se exatamente antes de tocar na nossa língua. Oh, a chuva não serve para beber, dizem-me. Já se deixaram molhar pela chuva? Há um sentimento de transgressão – com certeza que há –, mas talvez por isso mesmo parece tão certo. Assim que comece a chover, vamos para a rua. A chuva bate-nos na cara, segue pelo canto dos olhos, pelo nariz, ensopando o lábio, até que, então, quietos, a podemos lentamente sorver, com a língua. É assim que se bebe água da chuva. É assim que se faz amor. 

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