Na rede
Nas aldeias as pessoas são mais cruéis. A cidade afasta-nos da crueldade, mas em contrapartida torna-nos quase maus. As pessoas nas aldeias matam animais. Há sangue. Porque as pessoas nas aldeias ainda vivem, não dormitam.
Quando era pequeno apanhava pássaros à rede com o meu pai. Chegávamos de manhã muito cedo, silenciosamente, evitando qualquer ruído. O meu pai fazia-me sinal e eu ficava quieto, agachado, enquanto ele percorria os últimos metros até à corda. Ouvia-se um intenso chilrear dos pássaros no bebedouro, alimentando-se. Tinha então que esperar imóvel, pelo puxão seco da corda e pelo barulho das redes atravessando o ar límpido da manhã. Voosh. O chilrear atingia por momentos um pico inaudito. Corria até junto do meu pai. Dezenas e dezenas de pássaros debatiam-se na rede; asas e pescoços presos nas suas malhas, de bicos e olhos escancarados, piando em pânico. Pardais, verdilhões, pintassilgos... Rapidamente, o meu pai percorria a rede apertando o pescoço de cada um deles. Fincava-lhes a unha grande no pescoço que partia sem qualquer resistência. Pedia-me que o ajudasse. Mas eu assustava-me ainda com o bater das suas asas; apertava o seu corpo quente na minha mão; sentia o seu coração a bater rapidíssimo; os seus olhos cruzavam-se com os meus – e apertava-lhes timidamente o pescoço; quanta força é necessária para terminar com uma vida? Para quebrar um pescoço? Borravam-se e mijavam-se nas minhas mãos, mas não os conseguia matar; agonizavam. Dá cá isso – dizia o meu pai –, apanha os outros. Apanhávamos tudo rapidamente e voltávamos para o esconderijo. As primeiras puxadas eram as mais frutuosas. Apanhávamos e matávamos dezenas de pequenos pássaros. 15, 20, 30 de cada vez. Os amigos do meu pai despenavam já a primeira metade debaixo da nogueira, rindo e conversando, a uma centena de metros. E o processo repetia-se dezenas de vezes, até se tornar demasiado improdutivo. Depois íamos embora. Havia que despenar o resto. Os pequenos pássaros, nus, sem penas, apenas o bico e a cabeça desproporcionalmente grandes, onde olhos já vidrados, também demasiado grandes, assustadores, nos miravam. As penas das asas e da cabeça, por vezes também as do peito, eram difíceis de arrancar; puxando-as, arrancávamos-lhes também a pele, deixando-os ainda mais disformes, com seu corpo alienígena agora em sangue. Já não tinham vida, estavam frios, gelados.
Eram então fritos numa grande frigideira. E todos riam e bebiam e ficavam felizes enquanto os seus dentes monstruosos trituravam os ossos dos pequenos seres. Deliciosos pequenos seres em bocas monstruosas, em mãos duras e cruéis, de homens gordos e suas concubinas. E riam. Gargalhavam vida.
E eu pensava ainda nos seus olhos assustados, nas suas unhas finas cravando-se em desespero na minha carne; e depois na sua pele fria, despida, nos seus corpos inanimados no fundo do alguidar. Como são cruéis os homens da aldeia. Como são pérfidos os meus pensamentos. E também os meus dentes os trituravam; apesar de tudo trituravam. Mas o pensamento da sua pele despida e fria era o suficiente para me gelar o coração até à imobilidade total.
Comentários
Enviar um comentário