Aparição
Vi a senhora. Apareceu-me à noite, no meu quarto, e falou comigo. Brilhava tanto. A sua luz era tão intensa e pura. Não consegui, porém, fazer qualquer sentido do que me disse. Nem sequer o consigo reproduzir com exatidão; portanto não o devo fazer. Se transmitisse ou interpretasse a sua mensagem de forma errada, tal seria infinitamente pior do que nada dizer ou fazer. Tenho pois de ter a certeza do que me disse. Espero que perceba a minha hesitação; espero que me visite de novo. O anjo, a senhora, a luz.
Não contei nada aos meus pais; nem aos meus amigos; nem sequer ao meu namorado. Sinto que estou a ser desleal para com eles, mas devo lealdade, primeiro que tudo, a mim mesma; e talvez à senhora também, embora não o possa saber. Se o confessasse, com certeza que me julgariam louca, pelo que prefiro evitar também esses problemas.
A sua luz era tão branca, que as palavras da senhora quase me pareceram um sonho. Os seus lábios aparentavam imobilidade, mesmo quando falava comigo. Talvez por isso não me consiga lembrar com precisão de todas as suas palavras. E era tão importante que me conseguisse recordar com toda clareza, sem dúvidas, e não de forma difusa. Mas como? Seria sequer possível fazê-lo? Não será a linguagem dos anjos naturalmente difusa, talvez até incompreensível para nós. Mas porque haveria de me visitar, de falar comigo, se assim fosse?
Não terá usado palavras. Com certeza que há formas melhores de comunicar. Pensando bem, não teria qualquer sentido que um anjo se sujeitasse às limitações da nossa linguagem, à imprecisão das nossas palavras.
Ou talvez não fosse nada disto. A falta terá sido minha. A impressão que me causou foi tão intensa e a minha consciência desse momento tão veemente, que ela própria me desconcentrou. Na minha mente, repetia para mim mesma que devia prestar atenção, que mais do que em qualquer outro momento devia prestar atenção, pois era extremamente importante, e enquanto repetia esse aviso para mim mesma, as palavras da senhora escapavam-me para sempre. Portanto, a culpa será com certeza minha…
Tenho, contudo, a certeza de que não foi um sonho. Tudo menos um sonho. Tudo menos um sonho.
Talvez me tenha escolhido por ser ainda pura. Não o sei, mas talvez seja uma qualidade valorizada entre os anjos. Não devo, portanto, ceder às tentações da carne. Pelo menos até que esta incumbência que me foi confiada seja satisfeita. Até que compreenda o que senhora me disse. Porque será que me queria falar? O que me quererá dizer?
Gosto muito do meu namorado; acho que ele também gosta de mim. Mas talvez este seja o verdadeiro teste ao seu amor. Saberei se os seus desejos são de verdadeiro amor ou mera luxúria. Porque o verdadeiro amor é o do espírito, o do enlace das almas, e não o da carne que é demasiado fácil, demasiado comum.
O meu namorado não compreende o que se passa; receio também que não me ame verdadeiramente. Atraído pela minha rejeição, fareja-me como a um animal com o cio. E fica zangado, violento, quando mais uma vez adio a minha entrega. A senhora também não voltou a visitar-me. Toda a situação se tornou insustentável. A minha cabeça ameaça estourar a qualquer momento; antevejo já pedaços do meu crânio aparentemente oco, tingidos de vermelho e espalhados pelo chão; e sinto conforto nessa visão.
Os meus pais e os meus amigos estranham o meu comportamento. Porque havia eu, de um momento para o outro, de afastar-me do Guilherme? Estava tudo tão bem encaminhado e o Guilherme era tão bom rapaz. Queres ficar sozinha outra vez? Ou virgem para sempre? Todos me julgam louca e nem sequer lhes contei o meu segredo. Devo estar realmente louca.
Devia talvez deixá-lo gozar o meu corpo. Deixá-lo penetrar-me de todas as formas. Esventrar-me com o seu pénis vermelho. Mas não posso. Ainda que o desejasse, não posso. Porque me deixaste neste momento tão difícil, senhora? Guiai-me.
A senhora voltou a falar-me. Desta vez não me distraí e tomei toda a atenção ao que me disse. Pediu-me que matasse Guilherme, pois disso dependia a minha própria vida. Devia atraí-lo, enganá-lo e matá-lo.
Quando mais uma vez me procurou encurralar como a uma fêmea com cio – farejando-me a vagina – não o evitei. Esfregou-se em mim como um porco, rasgou-me a roupa interior e fodeu-me em cima da mesa da cozinha. Arfava como um animal e o seu hálito era pestilento. Fodeu-me em cima da mesa da cozinha e que bem o fez. Mas assim que se esvaiu a sua energia, peguei num grande cutelo que tive sempre próximo de mim e espetei-o diretamente no seu pescoço, repetidamente, com todas as minhas forças, até que jorrou uma grande quantidade de sangue quente que nos cobriu a ambos, como um cobertor, e a minha mente sossegou por fim.
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