MISTÉRIOS, KNUT HAMSUN (Tradução João Reis)
Do princípio ao fim, sentimo-nos como numa zaragata de café: o autor empurra uma mesa e entala-nos, com um sorriso, de encontro à parede. Mas que raio estou a ler? Mas que raio acabei de ler? Não sabemos exactamente o que pensar sobre cada um dos personagens; o enredo é psicologicamente intrincado (a expressão inglesa, mind-bending, é talvez a mais ilustrativa); a prosa é belíssima, cheia de diálogos e monólogos fantásticos, que nos arrastam para o outro lado do espelho - aproximamo-nos, tanto quando possível, do estado mental alterado, à falta de melhor classificação, do protagonista.
É absolutamente impossível esquecer estes personagens: Nagel; Dagny; Grøgaard, o Anão; a menina Gude; Reinert, o ajudante judicial. Todos têm uma marca que os situa para além do racionalmente apreensivel. Nagel, sobretudo, tem a qualidade de um animal selvagem, completamente imprevisível, impossível de se lhe pôr o dedo em cima; um maníaco-depressivo genial.
O próprio título do livro é intrigante, não sendo, como tudo o resto, cabalmente esclarecido. Dando um passo atrás, afastando a mesa de café onde nos entalaram pela cintura, podemos conjecturar que a intenção do livro não está escondida, a sua intenção é parecer que está (mind-bending), produzindo a sensação que algo nos escapa. Não é possível elaborar uma explicação eficaz sobre o livro, perceber o que o autor realmente nos quis dizer, porque somente pela experiência de leitura se poderá sentir, mais do que perceber, que algo profundo, que escapa à linguagem, foi tocado. E por isso nos fica próximo, interior.
Mais uma vez, uma vénia à tradução do João Reis. Que prazer.
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