BARTLEBY & COMPANHIA, ENRIQUE VILA-MATAS (Tradução José Agostinho Baptista)

 


Diário ficcionado, composto como notas de rodapé para textos inexistentes. Histórias, curiosidades, citações e especulações sobre escritores peculiares: aqueles que não o chegaram a ser, não deixando qualquer obra de relevo; e outros, que tendo publicado um ou dois livros, se remeteram depois a um longo silêncio. “Não, preferia não o fazer” insistia Bartleby, o escrivão, personagem enigmática (e aqui emblemática) de Herman Melville, líder do gang dos que “já não são daqui”, dos que “estão sós, solteiros”, da literatura do Não.


O livro explora as razões desta recusa da escrita. Juan Rulfo invocava a morte do seu Tio Celerino (que lhe contava as histórias) para justificar o seu silêncio. Existem as mais variadas razões (os tios Celerinos), como uma certa preponderância para as limitações apresentadas pela própria escrita. Neste sentido, Wittgenstein dizia “que tudo o que se pode pensar pode pensar-se claramente, tudo o que se pode dizer pode dizer-se claramente, mas nem tudo o que se pode pensar pode dizer-se”. Frase que induziu no narrador um pesadelo kafkiano a que atendiam Rimbaud, o próprio Wittgenstein e Duchamp queixando-se do quanto estavam arrependidos de terem deixado de escrever e pintar (no caso de Duchamp). Chega então Gombrowicz (parece uma anedota literata) que sentencia que apenas Duchamp tinha razões para não se arrepender, pois a pintura era uma coisa monstruosa: “Nenhuma arte é tão pobre em expressão. Pintar não é mais que renunciar a tudo o que não se pode pintar”. Contudo, não será tão diferente com a escrita. “Escrever é tentar saber os que escreveríamos se escrevêssemos”, dizia Maguerite Duras. Em certo sentido a escrita pode apenas iniciar no leitor mecanismos que estão ausentes na própria. Por isso, é comum gostarmos de livros que não conseguimos completamente compreender e ainda mais frequente não conseguirmos exprimir por que razão gostámos de determinado livro, que contudo sentimos ter tocado algo profundo, mas inefável.

No fundo, escrever é sobretudo uma grande canseira: “Durante muito tempo, deitei-me por ter escrito”, dizia Perec, numa espécie de paródia a Proust. Sendo a síntese, até nos momentos mais marcantes, uma técnica preciosa: o cardeal Roncalli, quando foi eleito chefe da Igreja católica, escreveu uma única entrada no seu diário “Hoje fizeram-me Papa.”; e Luís XVI, aquando da tomada da Bastilha, anotou perspicazmente no seu diário: “Rien”. Só não seria uma atividade cansativa para Georges Simenon, que em 1929 escreveu 41 romances – número absolutamente provocatório contra tanta angústia da página em branco.

Resumindo: excelente prosa de Vila-Matas, condimentada com um sentido de humor inteligente (não sei se haverá outro), e povoada de pequenas histórias, curiosidades e citações sobre estes escritores do Não. Nem toda a gente achará piada a estas coisas, mas eu sim. 


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