ASSIM COMEÇA O MAL, JAVIER MARÍAS (Tradução Paulo Ramos)
“tinha acedido a contar-me, mas teria de ser ao ritmo e à maneira dele. É este o privilégio de quem conta”
Terceira leitura de Javier Marías – depois de ‘Coração tão branco’ e dos ‘Os enamoramentos’. Tive a sensação, ao longo dos três, de estar a ler o mesmo romance, embora não exatamente: o estilo, o mote de Shakespeare, as escutas na penumbra, a marcação e desmembramento de determinadas frases chave, que vão revelando o seu significado, inicialmente misterioso, numa mecânica narrativa algo semelhante à de um policial, e uma dilatação temporal muito própria. Por esta razão, tendo já escrito sobre as anteriores leituras, corro o risco de me repetir. Neste romance, o tempo, a sua distensão e administração, é crucial. É esse repuxar que cria a tensão dramática. A história poderia ser contada numa dúzia de páginas, mas é o seu lento tricotar, o gotejar quase intolerável de sugestões adiadas e só mais tarde confirmadas, que lhe dá corpo, tornando-a de certa forma irreal, e irremediavelmente literária; exigindo do leitor não um investimento na suspensão da descrença, mas uma aceitação mais perversa, de que mesmo sem ela, estamos interessados. Há casos em que o estilo serve a história, mas neste caso é a trama, um mero pretexto, que serve a prosa da Javier Marías – uma melopeia verdadeiramente encantatória.
“It must
be cruel, only to be kind. Thus bad begins, and worse remains behind.” (Hamlet, William Shakespeare)
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