INTERRUPTOR


Tenho um interruptor definitivo na sala de jantar
Desliga a luz própria dos corpos
É um fusível precoce da felicidade
Para que a tristeza não me queime a língua

Há cansaços no amor
Que acumulam poeiras e sujidades
Até que a sua engrenagem se imobiliza

Janto às escuras para não me afeiçoar às loiças
Oiço com candura o trinar dos talheres

O gorgolejar canalizado do vinho
Não engana a língua, que já não aprende lições
Foi em tempos inutilizada por amputação
E recusa-se a crescer como um rabo de lagarto

É triste que embora todos os dias
Se ponha a mesa em minha casa
E a cozinheira se aplique no seu mister
Eu saboreie apenas por escura recordação
A dor que um dia, instalando-se enorme
Na minha boca, me devorou a língua

Para me salvar tomei abundante cautério
Aplicado com terror e resignação
Durante três dias estive secretamente feliz
Como uma criança num ermitério
 
Depois disso esqueci-me de tudo
Pois nada havia para além disso mesmo 

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