Andreia C Faria, Clavicórdio
É preciso um talento especial, quase uma intuição, para escrever boas frases de abertura. Uma boa frase de abertura pode ao mesmo tempo sintetizar e predispor o leitor para o que se segue. Deve transportar o leitor para outro universo; colocar em andamento um mecanismo que torna impossível parar de ler.
A Andreia tem dúvida
um talento especial e o "Clavicórdio" foi um dos livros mais
impressionantes que li nos últimos tempos.
Deixo-vos com algumas
das frases com que arranca os vários capítulos e/ou secções:
"Acontece-me ao
contrário: os sonhos da noite são a vida."
"Um sonho range
como um caixão, mas é lúcido como um aquário e sabe florir."
"Como um tolo
fala excessivamente em seu coração, assim eu escrevo, tentando ao fim do dia
que ele ranja, que se assombre e rache e das metades calhem brasas espalhadas
pelo sono."
"Quais poemas?,
digo. Ninguém quer, só para lhe ver a tinta, o próprio coração mastigado como
um choco."
"Guardo indícios.
Não explico o que encontro. As entranhas do peixe lançadas com a água suja,
guelras frias no escoadouro."
"Durante muito
tempo o cheiro da roupa ao fim do dia foi a única ideia que eu fiz de uma
mulher."
"Se me esfolassem
haviam de descobrir uma levedura íntima, branca, matrimonial."
"As pessoas
justas ocultam o mundo sob o tecido grosseiro da literalidade"
"O mal é a boca
fechada de Deus."
"Não é de
menosprezar a influência da beleza nas mais íntimas, meticulosas, em teoria
livres decisões que tomamos."
"Se alguém, na
idade em que se encontra, desconhece a arte de amar, não vá ao médico:"
"Uma vez no metro
vi um homem endoidecer."
"Quando o sol se
pôs eu estava a assar o peixe-lua."
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