COMBOIOS RIGOROSAMENTE VIGIADOS, BOHUMIL HRABAL
Diz-se que o sentido
de humor é um sinal de inteligência. A capacidade de olhar para o mundo, mesmo
nas mais adversas circunstâncias, especialmente nestas, e encontrar o que em
nós e nos outros há de risível, é por vezes a única alternativa ao colapso.
A tragicomédia tem uma
longa tradição: desde a antiguidade grega, até ao teatro do absurdo, de
inspiração existencialista.
A obra de Franz Kafka
(incidentalmente compatriota de Bohumil Hrabal) tantas vezes vista como um
pináculo da angústia existencial, também pode ser olhada do ponto de vista
humorístico. Trata-se, é certo, de um humor subterrâneo, que se infiltra
lentamente, em que o escritor mantém uma compostura de jogador de poker, mas
que acaba por se revelar sob o peso do absurdo. Reza a história que o próprio
tinha ataques de riso enquanto lia trechos aos amigos. E que haveremos de
pensar da situação do pobre Gregor Samsa "quando certa manhã acordou de
sonhos intranquilos" transformado num monstruoso inseto, mas cuja primeira
preocupação é como ir trabalhar.
A estratégia de
Bohumil é diferente. Os seus personagens são declaradamente tolos, mas
ocasionalmente, inesperadamente, profundos.
A ação desenrola-se na
Checoslováquia durante a Segunda Grande Guerra, sob ocupação alemã, onde os
habitantes tiram um melhor partido possível da situação: a fuselagem da asa de
um avião abatido transforma-se rapidamente em material de construção para
coelheiras e galinheiros ou em belos protetores de pernas para motocicletas.
Desde logo o título
tem também alguma coisa de cómico, não por si mesmo, mas no modo como é usado
repetidamente ao longo da história. Da mesma forma que o "senhor chefe da
estação" é sempre assim designado, por extenso. Este, aspirando a uma
promoção iminente, vê o seu objectivo constantemente sabotado, resignando-se a
gritar a sua má sorte para o poço de ventilação. Sabotado desde logo pelo
comportamento libidinoso do sinaleiro, que avança corajosamente à vista de
qualquer rabo de saia, carimbando o dito rabo da telegrafista com todos os
carimbos disponíveis na estação ferroviária, para escândalo e admiração de
todos. Sobretudo do mais jovem e tímido aprendiz, Miloš Hrma (o narrador),
atormentado por uma ansiedade de desempenho que o fez "murchar como um
lírio" perante os avanços da namorada no estúdio do tio - o sugestivo
"pronto em cinco minutos". Salvo de uma tentativa de suicídio por um
pedreiro, que mais tarde se revelou Deus, redime por fim a sua falta de
confiança com a bela Viktoria sobre "o canapé forrado a oleado" do
senhor chefe da estação enquanto ao longe bombardeavam Dresden.
Quem não percebe o
quão risíveis somos, não percebe nada. Hrabal percebeu. Morreu caindo de uma
janela do hospital enquanto tentava alimentar pombos.
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