Breakfast at Tiffany's (Boneca de Luxo), Truman Capote

 

Truman Capote é sempre inteligente na escolha do tom e estilo que melhor serve a história que pretende contar. Neste caso, estes colam-se à personalidade da própria protagonista Holly Golightly: misteriosa, divertida, aparentemente leviana, aparentemente uma impostora, mas realmente outra coisa. O seu comportamento afronta a moral burguesa, mas apenas para a envergonhar (talvez para nos envergonhar) pois rege-se afinal por princípios morais retos e elevados, não por hipocrisias ou cobardias.

O título original, 'Breakfast at Tiffany's' (a sua tradução para português não é fiel ao seu sentido poético), cuja explicação é desvendada a meio do livro, inicia-nos na psicologia de Holly: o Tiffany's é o seu local preferido, não pelas joias, a que não "liga um chavo", mas pela dignidade, pela serenidade, pela sensação de segurança: "nada realmente terrível nos pode acontecer ali, com aqueles homens de fatos janotas, e o cheiro fantástico da prata e das carteiras de crocodilo". Então quando está com o "ferro em brasa na cabeça" (ansiedade) apanha um táxi e vai até ao Tiffany's. Até encontrar um sítio assim, recusa-se a dar um nome ao gato, pois este não lhe pertence; enquanto não encontrar "um sítio onde eu e as coisas nos completamos" não quer ter nada seu. 

A origem destes anseios é-nos gradualmente revelada ao longo do livro. Se, por um lado, a própria se compara a um animal selvagem ferido, que assim que tenha forças procurará a liberdade, aconselhando:

" Tente não se apaixonar por um animal selvagem, Mr Bell aconselhou-o Holly Foi aí que o Doc errou. Estava sempre a trazer animais selvagens lá para casa. Um falcão com uma asa partida. Uma vez apareceu com um lince adulto a coxear. Mas não podemos confiar o coração a um animal selvagem: quanto mais lhe damos, mais forte fica. Até ter força suficiente para largar a correr pela floresta. Ou voar para uma árvore. E depois para uma árvore mais alta. E depois para o céu. É o que lhe vai acontecer, Mr Bell, se se apaixonar por um animal selvagem. Acaba a olhar para o céu.

(...) é melhor olhar para o céu do que lá viver. É tão vazio e tão vago. Um país para onde vai o trovão e as coisas desaparecem."

Por outro lado, depois de cair em desgraça (sem verdadeira culpa) e ser abandonada pelo amante brasileiro, que tinha ambições políticas e horror a escândalos – confessa-nos ser amor o que alguns julgariam ser apenas interesse; recusa-se a trair o amigo mafioso que visitava na prisão e por causa de quem estava a ser acusada: "E ouve, eu posso não valer um tostão, mas não vou testemunhar contra um amigo meu. Nem que eles provem que ele drogou as freiras da Misericórdia".

Não é realmente a traição do animal selvagem que recusa o amor de quem a acolhe em troca da liberdade. É a fidelidade de um animal selvagem que não troca os seus princípios pelo seu conforto.

Tem o seu único momento de verdadeiro desespero quando, tentando convencer-se das suas próprias teorias, abandona o gato numa rua do Harlem espanhol antes de fugir para o Brasil – “Já te tinha dito. Nós apenas nos encontrámos um dia à beira-rio, foi tudo. Somos independentes. Nunca prometemos nada um ao outro”; quando volta atrás, arrependida, já não o encontra. O amigo que a acompanha tenta reconfortá-la, assegurando que o vai encontrar e tomar conta dele, mas:

" Então e eu? disse ela num sussurro, estremecendo de novo. Estou assustadíssima, trapalhão. Sim, finalmente tenho medo. Porque isto pode continuar para sempre sem saber o que é meu até o deitar fora. O ferro em brasa não é nada. A gorda não é nada. Mas isto..."

Não saber reconhecer o amor. Isso é verdadeiramente assustador.

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