CASACOS
Tomba o casaco desamparado do cabide
E desfaz-se num bando de pássaros
Negros. Num enxame de besouros
Que revoa pela sala.
A gata assanha-se
Mostra os dentes, bruxaria
O casaco cai desamparado
E faz-se mil vezes noite
Bruxaria
O pai limpa a faca no avental branco
E as crianças batem palmas
Excitadas como morcegos
Há no desamparo uma súbita animação
Que contraria e devolve
Um cataclismo que se adia
No fim, apenas um casaco negro
Sem arrimo, uma mole gelatinosa
Colando-se fremente ao chão
À espera de uma mão consciente
Que o aprume e estique
Pendurando-o no invernoso açougue
O pai pega no casaco
Passa-lhe a cutelo pelo ventre
E devolve-o à pascal crucificação
Como um cordeiro negro
Sacrifício por uma vida melhor
Expurgada do mal pelo mal
A imaginação tem de acudir
Ao desamparo dos casacos
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