A MÁ INTERPRETAÇÃO
Ontem tive um sonho:
Estava dentro de água
acompanhado por algumas pessoas.
Como é habitual nestes casos
não consigo agora perceber exatamente quem eram;
tinham um carácter indistinto,
como tantas vezes acontece nos sonhos,
em que uma pessoa pode ser uma e outra
ou puramente indistinta.
Da minha boca saía involuntariamente
uma espécie de cuspo ou muco
que flutuava e depois mergulhava
transformando-se logo de seguida
num verme ou serpente verde fluorescente
que acelerava a toda a velocidade
desaparecendo.
De seguida uma nova e inusitada gosma
que não conseguia ou queria conter
num misto de curiosidade e desespero
saía de minha boca e
transformava-se novamente num verme colorido.
Aturdido e preocupado
procurava confirmar nos olhos da minha
companheira, se via o mesmo do que eu;
bem como, talvez, encontrar uma explicação.
Parecia dizer-me: é mesmo assim, não há problema.
A todo o momento
de forma perfeitamente incontrolável e incessante
saíam da minha boca mais
serpentes fluorescentes de cabeça estreita.
Acordei aflito
preocupava-me a minha misteriosa condição,
mas sobretudo que mais alguém a percebesse.
Procurei informar-me sobre o assunto:
o que diriam os especialistas na interpretação de sonhos?
Primeiro é necessário precisar
se os lascivos animais seriam vermes ou serpentes.
É uma importante distinção.
Que saiam da minha boca era certo e revelador
Que a sua aparência não se revelava de imediato
sofrendo uma transformação, também.
A serpente é um símbolo da traição e dissimulação;
vermes podem significar algo repugnante ou opressivo;
larvas uma transformação, metamorfose.
Creio que seria uma serpente. Portanto:
uma preocupação de que as minhas palavras
fossem mal interpretadas
ou falsas.
Decido, por isso, escrever um poema sobre o assunto
confirmando de certa forma a profecia do sonho.
Que melhor maneira de ser mal interpretado
do que através de um poema?
É precisamente para isso que a poesia serve:
para ser mal interpretada.
De outro modo seria demasiado pobre e redutora.
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