O HOMEM QUE MATOU O DIABO
Juro-vos que matei o diabo
Agora mesmo!
Saiu debaixo da minha cama, o sacana
E eu dei-lhe uma tal cacetada
Que lhe parti o pescoço
Mas não foi assim que morreu
Não, senhor! Que aquilo é bicho rijo.
Ficou a olhar para mim
De pescoço torcido
Todo nu
Escarlate
Como se estivesse em carne viva.
Só percebi que se tratava
Do diabo
Pelos seus esgares:
Punha a língua de fora
Faiscavam-lhe os olhos
Rodava a cabeça
E abria ainda mais os olhos
Puxava pela barbicha
Esticava ainda mais a língua
Até lhe tocar na ponta do queixo.
Foi aí que disse:
“Bolas! Este gajo é o diabo!”
Há quanto tempo estaria debaixo
Da minha cama?
E o que faria ele ali?
Podeis com toda a razão perguntar.
Para que não restasse qualquer dúvida
Acerca da minha inconivência
Com tão encarniçada criatura
Espetei-lhe com o candeeiro de loiça
Nos cornos. O que o colocou
Ainda mais de banda.
Depois pensei:
Será que o gajo anda
Metido com a minha mulher?
Se até agora não tinha
Dado sinal da sua presença
Alguma coisa tinha a esconder
Pois com certeza há muito
Que aqui estava.
Todos sabem que tanto deus
Como o diabo estão em todo o lado
Desde que o homem é homem.
Ocultava as suas intenções
Talvez mesmo as suas atividades.
Abeirei-me da lareira
Peguei num tição em brasa
E enfiei-lho pela boca abaixo.
Estrebuchou divertidamente
Fez-lhe cócegas, parece.
E nem um gesto em sua defesa fez
O malandro!
Pois é assim que o diabo nos apanha
– fazendo-se de sonso.
De qualquer forma, o problema
Mantinha-se:
O mafarrico estava
De pescoço à banda
E goela escancarada
No meio do meu quarto.
A situação era embaraçosa
A alcatifa estava toda suja
Se entrasse alguém
Com certeza me julgaria
Em negociações com o dito cujo.
O que seria uma vergonha
E a culpa não era minha.
Eu andava metido na minha vida
Em limpezas de primavera
Quando dei por ele
Até pensava que era o gato
Que ali estava escondido
Quando o cutuquei
Com o cabo da vassoura.
Devem estar com curiosidade
Para saber como o matei.
O sacana parecia perfeitamente
Indestrutível. A cada golpe ficava
Mais assanhado. Cada vez mais vermelhusco.
Como se me incentivasse à ignominia.
A certa altura até colocou o braço
Por cima do meu ombro
Como se fossemos amigalhaços
Em estreita cumplicidade
Companheiros de vida!
Foi nesse momento que a minha mulher
Chegou do supermercado.
Tomando a dianteira, disse-lhe logo:
“Ouve lá! O que fazia o diabo
Debaixo da nossa cama?”
Ao que ela respondeu:
“Ai, não sei de nada!”
Mau... fiquei ainda mais desconfiado.
Depois de uma pausa acrescentou:
“Fará, com certeza, coisas bem diferentes
Do que fazemos em cima dela [da cama].”
Não gostei daquela censura.
Cabrão do diabo. Andava a comê-la!
“Pobre coitado. Olha para o estado em que o deixaste.”
Acrescentou ainda
“Ah, ainda tens pena do diabo.
De mim ninguém tem pena!
Até parece que agora a culpa é minha
Um homem vê-se confrontado com o diabo
No seu próprio quarto
E se reage em legítima defesa
Perante uma tal afronta
Ainda é censurado
Daqui a pouco sou eu o mau da fita.”
Por essa altura o diabo
Que mal se tinha de pé
Começou a andar às arrecuas
Encostando o traseiro contra mim.
Vi-lhe então a rabo serpenteante
Que se levantou até me fazer
Cócegas no nariz, espanejando-me o bigode.
“Maldito sejas!”, disse eu irado
Tirei o canivete do bolso
E cortei-lhe o rabo rente:
“Ora toma, para ver se gostas!”
E foi assim que o matei.
Caiu redondo com a cara na alcatifa
De traseiro empinado.
Mas a cauda não parava de se agitar na minha mão
E num passe de mágica
Saltou para dentro das minhas calças
E colou-se ao meu próprio rabo.
O diabo estava um sorriso nos lábios
Apaziguado. Disse então as suas primeiras
E últimas palavras:
“Sabes que quem mata o diabo
Torna-se ele próprio o diabo
Porque o diabo nunca acaba.”
E a minha mulher, por sua vez, disse:
“Ai querido, ficas tão bem com essa cauda.”
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