DEVOÇÃO

Nostalgia - Andrei Tarkovski


A graça pela devoção.

Talvez não saibam exatamente do que estou a falar. Talvez seja mal entendido. A culpa não é vossa. É que o meu entendimento das palavras é frequentemente diverso, o que produz os mais incríveis mal entendidos. Não é possível comunicar – por certo o sabeis – sem  uma linguagem comum. Ou talvez seja impossível comunicar através de uma linguagem comum, o que vai parar ao mesmo.

Pois bem. Graça, para mim, é um estado de sublimação em que o indivíduo suprime toda em qualquer manifestação do ego, comungando com o universo, até se tornar indistinto do mesmo. É um estado de esvaziamento e, simultaneamente, de plenitude.

Devoção, por outro lado, é um processo de dedicação continuada e extrema. Para o devoto, o conforto reside na anulação. Ainda que possa ser motivado por razões puramente egocêntricas, como o desejo de criar algo, o processo, quando levado ao limite, conduz a uma supressão do ego, através de um processo de expansão e dispersão. A perfeição é insígnia. Qualquer conforto é acessório, ou até indesejado, a fome ou a morte não são obstáculos. Trata-se de um processo monomaníaco; a perseguição de uma baleia branca. 

Embora haja devoções humanamente mais louváveis, a devoção à arte, também pela sua aparente inutilidade, é absolutamente comovente. Toda a dor, toda a loucura, toda a inanidade são necessárias e eternas. Porque toda a beleza e todo o horror são um desígnio. Toda a arte uma redenção. O sentido pungente e real.  

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