JACINTA
Debilitada, havia mais de um ano, pela gripe espanhola, a
menina transportava uma chaga no peito – uma reminiscência de Cristo, diziam
alguns. Trouxeram-na para Lisboa para que, dizendo-a órfã, pudesse receber
tratamento nos hospitais da capital. Numa tentativa desesperada, os médicos
removeram-lhe duas costelas, praticamente sem anestesia, que não lhe podia ser
ministrada. Passou os últimos dias sozinha, no quarto, em abnegada agonia. O
seu corpo, incorrupto, cheirava a flores. Como se nenhum mal a pudesse tocar.
Como se o seu sofrimento, fosse o sofrimento de todos, e o sofrimento de todos
fosse o dela. Uma multidão silenciosa acompanhou a procissão, debaixo de chuva,
até ao Rossio. No quarto conservam ainda um cadeira de pernas serradas, onde
nossa senhora apareceria para conversar com Jacinta.
Há cada vez mais pessoas a
tocarem à porta do mosteiro das Clarissas, na Estrela, pedindo para rezar no
quarto de Jacinta.
O sofrimento, tal como a abnegação e a alegria, são
inesgotáveis. Precisamos ainda de alguém que nos possa demonstrá-lo. O que nos
está reservado, está para além de qualquer imaginação.
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