INCANDESCENTE

Mirror (Zerkalo), by Andrei Tarkovsky

Podia, sem qualquer hesitação, confiar-te a minha vida – embora isso fosse completamente injustificado. Talvez a minha confiança desmesurada – quase uma fé – seja o suficiente para te tornar real. Talvez, à força de tanto acreditar, acabes por existir.

Sinto agora um sono insuperável. Impossível de suster. Como a lenta derrocada de um beijo que se desprende. Mas, no último momento, desperto novamente, como se tivesse prestes a cometer uma falta.

Imagino a toda hora o nosso primeiro beijo. Será que vai acontecer? É que não acreditar, deixar de ter qualquer esperança, é negar todo um universo. Está tão funda esta farpa, tão próxima do coração, que qualquer movimento em falso se poderá revelar fatal. Poderei com certeza existir sem este amor imaginado, mas não sem ti. E isto, que não faz qualquer sentido, que parece completamente injustificado, é apenas a verdade, a pura verdade, como um poema. Isto é incandescente. Como não acreditar que não vejas o que é incandescente? Tão luminoso que me fere os olhos até à completa insensibilidade. Como acreditar que não descubras o caminho de volta? Que não me encontres?

A nossa benquerença, tão pura e verdadeira a imagino, que é difícil de acreditar que não tenha existido. Uma benquerença, que é mais, e menos, do que amor. Um amor imaginado, um bem querer. Uma simpatia de alma. Pura e incandescente.

Como é belo o teu embaraço. Sei que ficas assim quando lês estas coisas.

Mas diverte-me escrever estas cartas imaginadas. Parece que estou mais perto de ti. Tornam os meus diálogos interiores um pouco mais reais. Ganham corpo. Talvez não se escapem para sempre. E isso é, de certa forma, reconfortante. Mas só têm sentido se alguma vez as leres. Sei que algures me escutas…


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