Padre Luís


O calor era insuportável. O vento de levante era quente e lento, seco como o inferno. A todo o momento a face e a garganta eram abrasadas. Diretamente debaixo do sol, as roupas e a pele queimavam. Durou muitos dias aquele vento do deserto. E é sabido que fenómenos naturais continuados e persistentes (seja vento, chuva ou calor) exercem sob a mente humana um efeito perturbador.

Naquela manhã, que se esperava ser a última da vaga de calor, o jovem Padre Luís percorria o tortuoso caminho de acesso à aldeia. Vinha do fundo do vale onde fora rezar a missa pela manhã. Para poupar o burro, caridoso, subia a pé à sua frente. Estava perturbado. O calor era hoje, ainda e pela última vez, mais implacável. Suava abundantemente por debaixo da sua batina negra; o colarinho apertava-lhe o pescoço e os sapatos novos roíam-lhe os pés. Mas o que incautamente lhe obsidiava a mente era outra coisa. Parou para beber um pouco de água e limpou o suor da testa. Veio-lhe novamente à memória o rosto de Ângela. Não conseguia deixar de pensar nela. Lembrou ainda o roçagar no seu vestido negro e tudo aquilo que insinuava. Tomou novamente pulso do seu terço e retomou a ladainha. Mas dali a pouco, logo se interrompia, sem que disso tomasse nota, e pensava novamente nas sardas do seu rosto e nos seus olhos e no som da sua voz. Será que Ângela também pensava nele? De que se ocuparia enquanto estava deitada na cama? A jovem viúva, sempre assídua ao serviço religioso, nunca se confessava, recusando a hóstia.

Olhou para cima (faltava pouco para chegar à aldeia) e depois para baixo, para o caminho que serpenteava demoradamente a encosta. Vinha alguém atrás dele. Uma mulher vestida de negro. Guardara uma boa distância e só agora se apercebera dela. Não quis acreditar que fosse ela. Mas teve com certeza medo, pois colocou-se desde logo em andamento, estugando o passo e obrigando o pobre animal que o seguia a fazer o mesmo.

Na aldeia não encontrou ninguém na rua – àquela hora o calor tornara-se desumano. Deu água ao animal e deixou-o à sombra. Apressadamente, abriu a porta da pequena capela e penetrou no seu interior escuro e fresco, fechando-a atrás de si. De imediato se ajoelhou diante do altar e acendeu uma vela. Rezou com todas as suas forças.

Passados alguns minutos, a porta da pequena capela abriu-se novamente. Hesitante, a mulher entrou. O Padre Luís não era capaz de se mover, rezava apenas, afincadamente rezava, enquanto o suor continuava a escorrer-lhe pelo rosto, pelo peito e pelas costas. Nem a cabeça ousava virar.

A mulher aproximou-se silenciosamente, colocando-se a seu lado, ligeiramente recuada. A sua respiração, tal como a do padre, estava acelerada. A cabeça dela meneava hipnoticamente. Colocou-lhe a mão sobre a cabeça, agarrando-lhe os cabelos, e disse:

– Senhor Padre… Não aguento mais.

O padre continuou a olhar em frente, fixando o seu olhar trémulo na vela que acendera. Depois, colocou demoradamente os dedos por cima da chama (sentiu-a queimar) e apagou-a.

Comentários

Mensagens populares