OS ANOS. VIRGINIA WOOLF (Tradução Fernanda Pinto Rodrigues)
Não é fácil. Esqueçam a leitura de um fôlego, a trama que prende, o personagem com quem te identificas tanto... Sem nenhum ponto central a narrativa avança capturando instantâneos de um dia, ao longo de vários anos da família Pargiter. O tempo decorre - imperturbável e cíclico. Não deixa de ser desconcertante que os dias escolhidos não tenham nenhum significado especial, que haja saltos enormes em que o leitor é apenas lateralmente informado do que aconteceu. É como se de um romance gigantesco se tivesse recuperado uma dúzia de capítulos. Secções de solo atravessados por raízes cortadas, arejado por túneis que terminam em precipícios.
O romance procura responder a que pergunta? Será que procura responder a alguma pergunta, sequer? O tempo? A memória? O que é uma vida? Talvez isto seja o mais aproximado. O que compõe o tecido de uma vida? O que lhe dá identidade?
O capítulo final, tempo presente, é uma festa, que se prolonga durante dezenas de páginas. E talvez não fosse preciso mais nada para o classificar como um grande livro. A forma como Virginia Woolf captura a essência da interacção social, cheio de diálogos quebrados, é de loucos. Consegue assemelhar-se a uma canção. Há uma mímica musical, assim como uma outra fotográfica e cinematográfica. Conseguimos de facto imagina uma sequência estonteante, num interminável e nausante travelling de horas, nesta festa.
No livro, a resposta não chega. Um pouco como o discurso de Nicolas, consecutivamente interrompido, até que a própria espectativa o esvazia.
Esta é uma obra da maturidade da escritora. Na sua génese, intimamente interligada com os seus ensaios. Na literatura, como em tudo, as coisas avançam por movimentos de oposição. É preciso fazer melhor, fazer diferente, é preciso experimentar. Aqui, como disse no início, não há qualquer condescendência para com o leitor. Ainda assim, talvez a ideia parecesse melhor do que o produto final... não sei, realmente. Porque, por outro lado, tenho a sensação que o livro, pela sua diferença, me vai acompanhar durante muito tempo.
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