A ESTRADA, CORMAC MCCARTHY (Tradução Paulo Faria)
Este
livro é, em primeiro lugar, um exercício de estilo fabuloso. A linguagem foi depurada
de forma obsessiva. É consistentemente magra, cinzenta, fria, com frases
direitas e simples, pontuadas de forma minimalista, que espelham o vazio do mundo
pós-apocalíptico em que as personagens se movem, e estabelecem uma relação de contraste
e contenção com a violência extrema aqui retratada. Não deixa, contudo, de ser
poética. Só se inflama momentaneamente quando o homem recorda qualquer coisa do
passado – como se fosse reanimada por instantes. Os personagens também são
escassos, nunca designados pelos seus nomes próprios. Para além do homem e do rapaz,
são raros os diálogos com outros intervenientes, sendo o mais enigmático o que
é estabelecido com o velho, quase cego, que encontram na estrada. São diálogos de
aprendizagem e conforto, em que pai e filho se interrogam mutuamente, firmando
uma identidade. Os homens bons e os homens maus. O rapaz é sem dúvida a
centelha, tão pura e luminosa quanto possível, da humanidade. É ele o fogo que
transportam. Mas, Cormac McCarthy foge ardilosamente de uma dicotomia moral a
preto e branco. Introduz uma zona de sombra, uma penumbra, representada pelo
pai, cujo imperativo moral é proteger o filho. Não hesitaria, como qualquer
pai, em matar para proteger o filho. Este confronta-o, esperando e obtendo garantias
quanto à sua bondade, mesmo quando por cautela não ajudam os que encontram na
estrada e que também têm medo, também são como eles. O livro é acerca desta
procura da humanidade na situação mais extrema que se possa imaginar. E apesar
do cenário de fundo ser negro e desesperado, por efeito de contraste, o que ressalta
é esta esperança quase impossível, mas irrevogável, que os move em direção ao
sul e à costa, transportando o fogo.
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