BELOVED, TONI MORRISON (Tradução: Maria João Freire de Andrade)
Beloved é, desde o início,
emocional e estruturalmente denso. Temos a sensação de estar a entrar num mundo
altamente refletido e fermentado – espesso como pãezinhos de urânio; nodoso
como as costas de cerejeira de Sethe. Todos os personagens deste livro estão
destruídos, aleijados, incapacitados – o que, paradoxalmente, lhe confere uma
dimensão heroica.
Tendo como pano de fundo a
escravatura e suas consequências, o que se descreve é um verdadeiro cenário de
guerra. Uma guerra que durou séculos e que talvez ainda não tenha terminado.
Não uma batalha leal, mas uma chacina. Depois da Guerra da Secessão, negros
vagueiam pelos caminhos, sem destino, perdidos, loucos, como as mães de
Dresden, que Sebald descreve na sua ‘História Natural da Destruição’, fugindo
com os corpos carbonizados dos filhos dentro de malas de viagem. Embora o que
foi feito não seja reparável, serão precisos outros tantos séculos para que se
possa equilibrar as coisas – e talvez não seja suficiente.
Inscrito neste cenário, há o caso
particular de uma mãe que, perante a possibilidade de ser novamente capturada
com os seus filhos, decide, por amor, matá-los. Um ato sem redenção, que a
assombrará para sempre. A destruição última, a dizimação de toda esperança, uma
desagregação do ser. O livro carrega esse peso. A única redenção ocorre quando
Denver decide sair de casa e procurar ajuda, afirmando-se como um indivíduo
numa comunidade.
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