BICHOS-DA-SEDA

 



Alguém nos come a memória aos poucos –
Fazem-no com o mesmo apetite voraz com que os bichos-da-seda
Devoravam as folhas de amoreira na caixa de sapatos
Tecendo depois os seus leves casulos
Quase aéreos, de um brilho branco, diferente do sol
Onde dormiam a sua metamorfose

Talvez se pudessem construir asas de seda com os seus casulos
Mais resistentes e menos ambiciosas que as de Ícaro

O meu pai ensinou-me a lançar estrelas
Estrelas de papel que deitávamos ao vento
Até ficarem pequenas como unhas
Presas por um fio magro, falciforme
Que desenhava uma longa barriga paleolítica.
Colávamo-las firmamento diurno por falsa justaposição
Escapando ao labirinto por dissipação ou queda, medo ou ousadia

Para descansar, passávamos férias na Costa da Caparica
Onde praticávamos uma arqueologia do nada
Ao fim do dia de praia o meu pai sentava-se (sentávamo-nos)
Por debaixo dos esqueletos toscos das barraquinhas de praia
Já despidos dos panos brancos com que se vestiam durante o dia
Alugadas então a turistas talvez mais endinheirados do que nós
E revolvia (revolvíamos) a areia à procura de moedas ou outros objetos perdidos.
Cada achado era fonte de uma desproporcional alegria
Aparentemente tínhamos retirado valor a partir do nada

Também estas memórias adquirem um valor desproporcional
Que surge do nada. Um valor redentor, talvez
Com que teço o casulo onde dormirei a minha metamorfose
Congeminando sobre a arte do escapismo por dissimulação

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