SIMPATIA VENTRICULAR
Se encostares o teu peito ao meu
É possível que os nossos corações se sincronizem
Talvez, por intermédio de uma chaga comunicante
Os meus aurículos alimentem os teus ventrículos
E o teu ventrículo alguma aorta no meu tórax
Causando uma tremenda e sincopada confusão
Do mesmo modo
Se o teu nariz pousar demoradamente na minha testa
Talvez por transferência recebas os meus pensamentos
- poderá chegar ao ponto de não os distinguires dos teus
Se eu estiver com uma dor de dentes
Talvez também tenhas uma dor de dentes
E se mantivermos a atual proximidade pélvica
Talvez ainda venha a sentir dores menstruais
Mas é impossível ganhar a vida em tal concomitância ventricular
E poderá ainda assim acontecer-nos que
Separados por grande distância
Sinta que me vais telefonar
E pegue no telefone antes que comece a tocar
Ou que oiças a minha voz enquanto estás no duche
Desligues a água e de súbito o silêncio do apartamento deserto
E eu, nesse exato momento, no outro lado da cidade, sinta um breve desconforto
- uma picada no olho – enquanto olho para o volutear do café da manhã
Que me obrigue a levantar da cadeira sem saber como te avisar:
Não estou; respira com cuidado e mantém a pressão auricular
Uma vez aberta, a chaga que transportamos
Para onde quer que nos ausentemos
É simultaneamente um canal de comunicação
E uma ferida aberta por onde podemos
Por mera distração, esvair-nos em sangue
Se o maior perigo decorre da maior das aproximações
Ou da mínima separação
Ninguém o saberá dizer
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