O JARDINEIRO MORREU
Estava
um dia maravilhoso. O sol brilhava sem reservas, implacavelmente. O céu era
imenso. Mas as flores, na sua individualidade, no colorido nas suas pétalas,
tornavam tudo um pouco mais suportável.
Artur subia
o pequeno outeiro, calcando a terra seca debaixo das botas. O pó. As suas botas
estavam cobertas de pó. Um pó fino, intrometido. Um pó que lhe lacava a pele e
o impedia de respirar. Sentiu que sufocava e estugou o passo.
Talvez
as flores fossem corajosas, pensou. Isso. As flores são corajosas. Pode não
chover e morrem de sede; podem ser pisadas sem aviso; mas ainda assim são
atrevidas. Ousam ser belas e delicadas.
Parou e olhou fixamente para uma papoila
vermelha na beira do caminho. Como se atrevia?
Pisou-a.
Esmagou-a debaixo das suas botas cardadas.
Como
se atrevia?
Colocou-se de novo em andamento, com os olhos fitos no
topo do outeiro. Lá de cima conseguia ver o rio e para além dele os campos
cultivados. Malditas sejam as flores. Como se atrevem? Com tanto pó, com tanto
pó. Nesta terra seca, como se atrevem? Como?
Limpou o suor do rosto com as costas da mão. Tirou os
óculos por momentos.
Ninguém toma
conta disto. Ninguém. Podem esmagar flores à vossa vontade… o jardineiro
morreu… Que justiça há nisto? Que justiça esta. Tudo entregue ao capricho de
uma vontade. Tudo à mercê da mais pequena força. Até um velho, um velho como
eu, pode esmagar uma flor.
Acham que sou mau? Que não tenho coração? Um louco que
fala sozinho, talvez.
Pois há certas coisas que não podem deixar de enlouquecer
um homem. Calo-me. Não pensem que procuro justificação para a minha maldade.
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