CEIA DE NATAL



A mesa está posta
Senta-te e come
 
Os pratos estão alinhados
A cutelaria brilha
Os copos ardem
 
Para o jantar: carne de veado
Provarás a inocência mineral
Do corpo de Cristo
 
Está escuro?
Descerra as pálpebras
Senta-te e come
O jantar está servido
 
O rebordo dos pratos incendeia-se
E fogachos vermelhos
Soltam-se dos copos de pé alto!
O centro de mesa gela.
 
Sentado numa pedra
O caçador fita o veado
Oscilando as hastes
Por entre os cedros nevados.
Os seus olhos, como pequenas
Sobremesas gelatinosas
Refletem a neve suja.
O caçador espevita o lume
E o cervo salta por entre
Os troncos caídos.
 
Num beco escuro da cidade
Um bidon em chamas
Aquece as mãos
Cobertas por luvas esgarçadas
Mãos cansadas de empurrar
Um carrinho de supermercado - sem compras.
O calor do lume
Evapora a humidade
Que se entranhou nas roupas
Grossas e sujas.
É natal e os homens fazem rodar
Uma garrafa de vinho do Porto barato
Entre todos.
 
Num apartamento 20 andares acima
Comem com parcimónia
Como só os ricos sabem fazer.
 
Senta-te e come
Prova a carne de Cristo
Bebe do seu sangue
Deixa-te invadir pela sua inocência
Purifica-te. Não há pecado na riqueza.
 
Nos subúrbios, uma família da classe operária
Come faustosamente
Como só os pobres sabem fazer.
A mesa
Demasiado pequena para o número de convivas
Está apinhada de tachos e panelas
Bacalhau, polvo e borrego para o menino
Que não gosta de peixe.
Todos falam em simultâneo
E a televisão está ligada.
Embebedam-se.
Comem até a agonia.
Não têm pecado.
 
Descerra os olhos
É Natal
O inverno começou
Abrindo o dia impoluto e grande.

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