O CADEIRÃO
Se eu morresse, ninguém dava por nada. Palavra de
honra. A minha existência é tão estreita, que já ninguém olha para mim. Para
dizer a verdade, também não vejo quase ninguém. Chego a duvidar de que o mundo
continue a existir. Palavra de honra…
E não falo apenas das pessoas. É certo que ninguém
olha para os velhos. E com toda a razão – que há para ver? Nada que valha a
pena. Mas até as coisas nos abandonam.
A gota de água foi a televisão. Irritei-me de tal
forma, que foi remédio santo. Malditas interferências. Mexi na antena.
Verifiquei o fio. Nada. Depois telefonei para a linha de apoio ao cliente.
Nada. Mandaram um técnico. Nada. Estava tudo bem. Mas eu bem via aquela maldita
interferência: uma linha que subia e descia constantemente. E, como é de supor,
eu não conseguia ver mais nada senão aquela maldita linha. Os meus olhos
seguiam-na constantemente. Ora bem, peguei no martelo e zás! Foi remédio santo.
Em cacos.
Mas antes disso já me tinha irritado com a
torradeira. Com o rádio. E com o esquentador. Pelo que agora tenho que tomar
banho de água fria e comer pão duro. Em silêncio.
Limito-me a estar sentado na minha poltrona verde. De
roupão. Olhando o vazio. Nem sequer tenho fome. Sinto-me a desaparecer.
Tudo o que restará de mim será a marca indelével do
meu corpo sobre o cadeirão verde.
Quando alguém arrombar aquela porta, verá apenas um
cadeirão usado. E nada mais.
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