BOLACHA
Chamava-o carinhosamente de Bolacha. Era um daqueles nomes que só duas pessoas apaixonadas poderiam compreender. E foi exatamente no momento em que Laura começou a pensar sobre a razão desse nome, que percebeu que estava tudo acabado. Não se pode com toda a propriedade usar o verbo perceber; o seu uso parece implicar uma compreensão racional da questão e não é disso que se trata. Laura sentiu que estava tudo acabado. Aquela relação era doentia. Ao contrário dos homens, as mulheres tendem a acreditar mais nos seus sentimentos; e isso, é a única coisa que impede o mundo de se imobilizar num nó, estrangulando-se a si próprio.
Por dois dias se agitou. Não sabia como declarar um fim que era só seu. As pequenas coisas começavam lentamente a cozer-lhe os nervos. Pobre coitado, como poderia saber que os seus defeitos, pequenos e grandes, já não eram agora adoráveis. Que já não poderiam ser amaciados por um sorriso demente. Iniciou-se um período de pequenas discussões, que por vezes se prolonga durante toda a vida.
Finalmente, disse-lhe que não podia continuar, que tinham que acabar.
O Bolacha ficou cabisbaixo, sem verdadeiramente compreender.
Um dia depois, o Bolacha concluiu que era incapaz de ficar fisicamente sozinho. Precisava de sentir alguém à distância de um braço, embora não lhe suportasse por vezes uma única palavra, pois essa era a sua natureza – carrancuda, deprimente e irascível. Gostava de estar ao mesmo tempo perto, mas irremediavelmente afastado. Preferia sorver a sua solidão, destilar o seu mau génio, em companhia alheia. Como um comedor de ópio, submetendo-se à sua alienação diária. E por isso, implorou como um pequeno cachorro. Meloso. Carinhoso. Doentio. Laura não pôde dizer que não.
Seria mais fácil matá-lo, pensou.
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