O elogio da espera
–
O que é que estás aqui a fazer?
–
Estou à espera.
Prefiro
sempre chegar antes de tempo, adiantado. Prefiro esperar. Esperar é encontrar.
Coisas e pessoas vêm ao encontro da nossa atenção sem dono. Privados de
qualquer distração, sozinhos ou acompanhados, encontramo-nos num tempo sem
mácula, impoluto. A espera é o moderno pretexto (a armadilha possível) para um
pedaço de ócio, para a reflexão. É, camuflada pela tarefa que a sucede e
justifica, estendida por um esquecimento ou erro de cálculo, um dos últimos
refúgios no território do trabalho.
Esperando,
deixamo-nos alcançar. Interrompemos a fuga. Suspendemos a marcha.
–
Ficaste este tempo todo à espera? Já deves estar farto de aqui estar.
Liberto
de qualquer tarefa significativa, normalmente desobrigado de comunicar, posso
dedicar-me a observar os outros, a mim próprio, a mim nos outros, e os outros
em mim. O cérebro é varrido de fio a pavio. Espanto-me com o que lá encontro.
Há quanto tempo não estava sozinho? Sem televisão, rádio ou livros; sem
distração, apenas sozinho. Dá medo.
Dantes
reservava para mim (religiosamente) cinco minutos antes de adormecer. Ansioso,
ia para a cama mais cedo. Colava e ordenava o dia. Estou, agora, demasiado
cansado para o conseguir e ainda com a estúpida ambição de ler.
Em
compensação, apresenta-se, por vezes, como alternativa, a insónia. Demasiado
cansado, até para dormir, o meu cérebro recusa o sono. É como se uma
preocupação, uma tarefa maior e sempre adiada, me negasse a necessária
tranquilidade e impedisse de repousar. A sombra de um flamingo debicando miolos
vela-me os olhos. Penso interminavelmente, em círculos, de forma doentia, sem
conseguir mexer o corpo. É a verdadeira vida que me convoca, mas tenho medo,
finjo não a compreender. Tenho pelo menos a angústia, com que, conscientemente,
me lamento – coisa pouca. Ocasionalmente, um intervalo, um tempo puro, de
espera, onde pensar, refletir.
Na
espera há uma dilatação do tempo. Que saudades das férias de Verão, das tardes
intermináveis e sua sucessão, do calor e dos dias de interminável luz.
A
doença é também terreno de reflexão. Maior parte de pessoas sujeitas a um
período de doença prolongada (especialmente na infância), que as isole e impeça
de levar uma vida normal, é dada à reflexão. Contudo, falta-lhes vitalidade no
pensamento; também este se tornou enfermiço. Ninguém o percebe; são até
apregoados de grandes e profundos pensadores, mas são apenas doentes. Porque o
ócio, o verdadeiro ócio, não é inatividade. É, quando muito, desocupação. Um
espaço livre que podemos compor a nosso prazer, segundo as nossas momentâneas
apetências.
Não
são de ócio os nossos cruéis fins-de-semana, pois estamos realmente ocupados em
descansar para voltar ao trabalho. Ou então, percorrendo a interminável lista
de itens de lazer postos à nossa disposição, todos de experiência obrigatória;
mas também aí estamos ocupados. Ócio é desocupação; privilégio, quando muito,
de alguns desempregados (aqueles que o são de coração).
A
espera é apenas o refúgio possível. Não será realmente um momento de ócio, como
nada o é hoje em dia – pelo menos segundo a minha definição; mas é, para os
outros, aparentemente inútil, o que constitui, nos tempos que correm, critério
suficiente para me interessar.
–
O que é que estás a fazer?
–
Não estou a fazer nada…
–
Nada?
–
Estou à espera – justifico. Como Nietzsche escreveu: daqui a pouco, sob ameaça
de censura, até os passeios pelo campo temos que justificar como benéficos para
a saúde.
–
Ah, coitado. Já estás aqui há muito tempo sozinho?
– Não. Nunca é demais… Espera comigo.
É pá... Pedro!
ResponderEliminarNem sei o que dizer-te!
É pá... Pedro!
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