A MADONA, NATÁLIA CORREIA
Natália Correia foi uma grande mulher. Mas ‘A Madona’ não é,
na minha opinião, um grande romance – embora tenha muito mais confiança nos
méritos daquilo que gosto, do que em eventuais desmerecimentos, que podem ser
atribuídos à minha limitação enquanto leitor. A linguagem é demasiado
carregada, cabendo ao leitor esse esforço desmedido de a transportar ao longo
de todo o livro, sem uma aerodinâmica que favoreça a levitação. O defeito não
advém, como é óbvio, do uso de um estilo poético por si só. Há inúmeros
exemplos de poetas que conseguem usar, em prosa, uma linguagem poética de forma
mais singela e parcimoniosa – mas Natália é, talvez por natureza, excessiva;
outros há (raros, é certo) que conseguem sustentar esse excesso verbal, por uma
qualquer combinação alquímica de ritmo e furor. A narrativa segue também um
caminho tortuoso, sem que daí resulte nenhum prémio para o leitor, apenas
dificuldade. Não quero com isto dizer que os livros tenham de ser fáceis. Mas a
dificuldade deve ter uma razão e um prémio. Senão é mera coqueteria
intelectual.
Em termos históricos é compreensível a importância deste livro. Em 1968,
Portugal, uma voz feminina que se articulasse nestes moldes, não poderia deixar
de agitar águas estagnadas ou arejar o mofo de sacristia. A forma como fala do
sexo e do desejo como aspetos matriciais da experiência humana é ainda
extremamente atual. A este respeito vivemos ainda de forma paradoxal, numa
sociedade em que a ideia de sexo é pervasiva, mas não declarada, obsessiva, mas
pouco consequente. Uma sociedade cada vez mais atomizada, em que tudo é uma
excrescência dessa falta de consequência: talvez nunca se tenha falado tanto e feito
tão pouco. A moral católica continua a exercer uma força espectral: o sexo e o
desejo não são assim tão importantes. Como a água, que encontra sempre o seu
caminho, também a energia sexual é impossível de conter; e as ditas
excrescências dessa contenção tomam formas perfeitamente pavorosas e
inesperadas, procurando uma libertação por outros meios. É por essas e por
outras que as paixões simples não têm nada de banal.
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