DEDOS FRIOS


Por vezes, sinto-me em chamas.
Numa combustão quieta
E invisível.
Ardem-me as unhas
E ninguém vê.
Tudo o que toco se recusa.
Uma calma ignição
Um fogo preso e inviável
Inócuo, infecundo
Sem possibilidade de contágio.
Esfrego os dedos e sinto frio;
Está tanto frio.
Tudo se consome, mas nada arde.
Trata-se de uma lenta erosão
Um esfarelar catatónico.
Mas eu, eu estou a arder
E ninguém vê.
O mundo grosa lentamente 
De encontro à minha pele.
Mas também dentro de mim
O fígado se afaga,
O coração se esgota,
E o estômago se amarfanha.
Tudo tão manso, tudo tão meigo
Como um hálito maternal.
Toda a minha pele está em chamas
E ninguém vê.
Ninguém vê.
As labaredas chiam 
– não estão dentro, nem fora –
Abrem as fauces hiantes
Numa voragem que tudo envolve e nada contém.
Ensurdecedoras, cantam alto
Em tom plástico e forrado
Como o de uma carícia
Como a mera fricção dos teus dedos frios.


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